Coluna “Menu Político”, publicada no caderno “People”, edição de 16/3/2014 do O POVO.

Ilustração: Hélio Rôla

Ilustração: Hélio Rôla

Carga tributária brasileira sacrifica os mais pobres
Plínio Bortolotti

Escrevi vários artigos na contramão da ideia mais ou menos generalizada de que no Brasil se paga muito imposto. Comecei a pensar sobre o assunto quando as queixas foram ganhando foros de verdade incontestável e criou-se, em São Paulo, o “impostômetro” (http://www.impostometro.com.br). Iniciativa da Associação Comercial de São Paulo, o “impostômetro” é um placar que mede, em “tempo real” a arrecadação de impostos no Brasil. Números, como vocês sabem, sempre impressionam, pois eles “não mentem jamais”. Porém, como alguém já disse, torturados, os números podem confessar qualquer coisa. E, por vezo profissional, tenho o hábito de procurar o “outro lado” quando determinados argumentos espalham-se em contágio irrefletido.

Tenho argumentando que, ao contrário do que muitos afirmam, não se arrecada demasiados impostos no Brasil. O que acontece é que os tributos são pagos de modo injusto, isto é de forma regressiva (quem ganha menos paga mais), incidindo sobre produtos e serviços; o mais justo seria um sistema progressivo (quem ganha mais paga mais), com maior incidência sobre a renda e o patrimônio. Este sistema é adotado em países de maior justiça tributária.

A revista Caros Amigos (edição de fevereiro/2014) publicou reportagem mostrando vários dos desarranjos da política fiscal brasileira. Ela se inicia com uma declaração do consultor Amir Khair, mestre em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmando haver estudos mostrando que brasileiros com renda até dois salários mínimos gastam até 49% de seus rendimentos com tributos; os que recebem acima de 30 salários mínimos despendem apenas 26%.

Assim é que, vista de modo descontextualizado, a carga de impostos no Brasil, equivalente a 35% do PIB, pode ser considerada alta. (Nos países mais ricos equivale a 50% e nos mais pobres 20% do PIB.) No entanto, quando se observa que essa carga recai sobre os ombros dos mais pobres, a situação exige outro tipo de abordagem. Mais da metade de tudo o que o Estado arrecada – anota a Caros Amigos – vem de impostos sobre os produtos, pagos indistintamente por toda a população, independentemente de seu nível de renda.

Observe-se ainda que o Brasil aparece em 15º lugar na lista dos países com maior carga tributária, em relação ao PIB. Porém, quando a arrecadação de impostos é medida per capita (a média paga por contribuinte), o país cai para 30º lugar.

Comparando-se os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – que reúne as nações industrializadas e algumas emergentes – tem-se a seguinte distribuição da carga tributária: na média dos países da OCDE, o imposto sobre o consumo é de 33%; sobre a renda 33%; outras fontes 34%. No Brasil, o imposto sobre o consumo representa 52%; sobre a renda 28%, outras fontes 20%.

Fernando Rugitsky, pesquisador associado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) afirmou, em artigo publicado na Folha de S. Paulo (edição de 6/3/2014) que a injustiça tributária contribui para fazer do Brasil um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.

É por isso que a Caros Amigos inicia a sua reportagem sobre o assunto concordando que a carga tributária brasileira é uma das maiores do mundo, “mas para a população mais pobre”.

NOTAS

Sonegômetro
Além da injustiça tributária, há outro assunto que os adeptos do “impostômetro” evitam: a sonegação de impostos. Estudo encomendado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) estima que 28,4% dos impostos que deveriam ser recolhidos são sonegados, valor equivalente a R$ 415,1 bilhões por ano. Para concorrer com o “impostômetro”, o Sinprofaz instalou um “sonegômetro” (http://www.quantocustaobrasil.com.br).

Cartilha 1
Um dos documentos instrutivos sobre o assunto é uma cartilha preparada pelo Dieese e Sindifisco (sindicato dos auditores fiscais) intitulada “10 ideias para uma tributação mais justa”. São elas: 1) Aumentar a transparência sobre a tributação. 2) Desonerar a cesta básica. 3) Tributar bens supérfluos e de luxo. 4) Corrigir a tabela do imposto de renda e aumentar a sua progressividade.

Cartilha 2
5) Tributar os lucros e dividendos distribuídos. 6) Melhorar a cobrança do imposto sobre herança e doações. 7) Aumentar o imposto sobre a propriedade da terra. 8) Tributação sobre a remessa de lucros. 9) Cobrar IPVA sobre embarcações e aeronaves (quem tem um carro, mesmo velho, paga IPVA; os felizes donos de iates, helicópteros ou jatinhos estão isentos). 10) Instituir imposto sobre grandes fortunas. Veja aqui (pdf): http://migre.me/fkEte.

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