Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 17/7/2014, do O POVO.

Arte: Hélio Rôla

Arte: Hélio Rôla

O Vale Cultura e o pão do espírito
Plínio Bortolotti

O primeiro levantamento sobre o Vale Cultura, preparado pelo Ministério da Cultura (MinC), mostra que foram gastos R$ 5,3 milhões entre janeiro e junho deste ano, sendo que 89% do recurso foi investido na compra de livros, revistas e jornais.

O Vale Cultura possibilita às empresas carregarem um cartão no valor de R$ 50 para trabalhadores de renda de até cinco salários mínimos. Em contrapartida, a empresa isenta-se de encargos sociais e trabalhistas sobre o valor despendido. O benefício pode ser usado na entrada de teatros, cinemas, museus, espetáculos, shows e para a compra de CDs, livros, revistas e jornais.

Quando lançado, o programa sofreu críticas sobre um possível “mau uso” do cartão, ou seja, haveria o “perigo” de os trabalhadores gastarem o dinheiro com “produtos e eventos de alto impacto popular, mas com baixo teor educativo – livros de autoajuda, filmes de comédia ou shows de música sertaneja, por exemplo”, como escreveu o colunista da Folha de S. Paulo, Gilberto Dimenstein.

O balanço do MinC reafirma a tese de que amplo segmento da “elite” brasileira tem preconceito e dificuldade de entender os pobres, achando que pobreza material é sinônimo de pobreza espiritual. Quando se observa que R$ 4,7 milhões (89% do total de compras) foram gastos com leitura de livros, jornais e revistas, verifica-se que as massas também bem sabem amassar a massa da Padaria Espiritual.

Quando se lançou o Bolsa Família, o discurso era o “perigo” de se formar uma “legião de vagabundos”; o que se viu, inclusive para o benefício do “mercado”, foi o surgimento de uma multidão de cidadãos-consumidores, que sustentam o comércio de milhares de cidades Brasil afora.

O vale, que incentivaria a “baixa cultura”, está criando uma comunidade de leitores, com a possibilidade deles comprarem livros, revistas e jornais, o mesmo direito que sempre teve a “elite”.

PS. Em meu blog, escrevi post quando foi publicada a coluna da Folha citada neste artigo, aqui.

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