Reprodução do artigo publicado na coluna “Menu Político”, caderno “People”, do O POVO, edição de 23/11/2014.

Hélio RôlaTudo o que você não queria saber sobre drogas
Plínio Bortolotti

Muito provavelmente o livro Um preço muito alto vai contrariar tudo o que você sabe (ou pensa que) sobre drogas. Entre essas crenças, a versão de que o crack é uma droga tão poderosa que vicia na primeira dose. O autor mostra que o crack e a cocaína em pó são “qualitativamente” a mesma droga, portanto seus efeitos são os mesmos. Como prova, ele expõe a estrutura química do hidrocloreto de cocaína (a droga em pó) e de sua pasta base (o crack), mostrando que são praticamente idênticas. “Boa parte do que achamos que sabemos a respeito de drogas, vício e escolhas possíveis está errada”, diz ele.

O autor do livro é o neurocientista Carl Hart, professor dos departamentos de Psicologia e Psiquiatria na Universidade de Columbia, Estados Unidos. A incomum carreira de Hart explica porque ele resolveu estudar as drogas ilegais e mostra o caminho percorrido até chegar às conclusões que contrariam o senso comum.

Negro, de família pobre e problemática, Hart – que cultiva longas tranças rastafári – foi criado nos guetos de Miami: usou drogas, vendeu-as e cometeu vários outros delitos quando era adolescente. Foi salvo de destino parecido de amigos e parentes – prisão ou morte – quando, recrutado pela Aeronáutica, resolveu estudar.

Carl Hart mostra que o vício na droga não pode ser explicada fora do contexto em que é consumida e que são vários os fatos que levam à dependência, entre eles a pobreza e a exclusão social. Atribuir todo “comportamento condenável” ao uso de drogas é um erro que leva ao aumento do preconceito contra negros e pobres, diz ele.

Ao contrário do senso comum, Hart não atribui às drogas os problemas familiares ou da sociedade. Tomando a sua própria vida como exemplo, ele diz que, antes mesmo da introdução do crack, em seu bairro “diversas famílias já eram dilaceradas pelo racismo institucionalizado, a pobreza e outras forças”. Valendo-se de pesquisa em jornais, ele mostra que a cada vez que uma nova droga é introduzida no comércio, a ela é atribuída todos os males, de forma sensacionalista, com a ajuda da imprensa.

Para ele, o uso da droga, mesmo que regularmente, não é, em si mesmo um distúrbio: “O hábito de beber não é um problema para a maioria das pessoas, o mesmo se aplica às drogas ilegais”. Ele somente considera “vício” se o uso da droga interferir nas “funções vitais importantes”, como o cuidado com os filhos, o trabalho e as relações íntimas. Entre os 20 milhões de americanos consumidores de droga, ele diz que o percentual de viciados fica entre 10% e 25%.

O autor considera que o vício, principalmente nas comunidades excluídas – a maioria negras -, se dá pelo fato de não existirem “estímulos alternativos”, como o cuidado familiar, educação de qualidade e trabalho para os jovens. Carl Hart também decompõe a figura do viciado como “doidão” disposto a qualquer coisa para conseguir mais uma dose. Em uma de suas experiências (autorizadas) ele oferece – em seu laboratório – um cachimbo de crack a viciados e, depois da primeira dose, lhes pergunta se eles querem outra ou cinco dólares em dinheiro. Muitos deles preferem o dinheiro derrubando o mito, segundo Hart, de que a primeira dose gera uma “ânsia irreversível” ou “sequestra a mente” do viciado, impedindo que ele tome decisões racionais.

NOTAS

Perigos
Por óbvio, Carl Hart não faz apologia das drogas. Pelo contrário, ele pretende que seus estudos contribuam para se encontrar formas mais efetivas de prevenir os seus perigos.

Descrminalização
Hart não é nem mesmo favorável à proposta liberal de legalizar as drogas. Ele sugere a descriminalização, como forma de livrar da cadeia jovens – a maioria negros – que têm suas vidas destruídas pela prisão.

Capítulo
No próximo domingo vou comentar outros aspectos do livro Um preço muito alto, do ponto de vista da promoção do autor por meio da educação.

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