Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 2/8/2015 do O POVO.

CarlusComo ir longe, devagar
Plínio Bortolotti

“Estilo de vida slow – Para desacelerar”, matéria publicada no domingo passado neste jornal, assinada pela jornalista Raphaelle Batista, lembrou-me um livro que lera há anos, e que busquei na estante para recordá-lo.

A reportagem de Raphaelle aborda alguns aspectos do movimento “Slow” (devagar), principalmente a relação de mães [os pais ficaram de fora : )], que estão se reeducando para ter uma vida mais equilibrada e para dedicar mais tempo e atenção aos filhos.

Pois bem, o livro que me veio à memória começa justamente com um pai atarefado – jornalista, com as horas lhe faltando para dar conta de todos os compromissos -, lendo um jornal enquanto espera, impaciente, na fila de embarque no aeroporto de Roma. Ele depara, então, com uma notícia que lhe parece uma oportunidade inacreditável para “ganhar” mais tempo em sua faina, que costuma avançar pela noite.

O título da notícia é o seguinte: “A história para fazer dormir em um minuto”, dando conta de uma coleção em que os autores condensaram os clássicos contos de fada em 60 segundos. “Eureca!”, exclama em pensamento o nosso jornalista, imaginando que não precisaria mais “perder” tempo contando longas histórias para fazer o filho dormir: a fatura agora poderia ser liquidada sem demora.

Porém, o pensamento absurdo de se livrar rapidamente do filho, o leva à reflexão: teria ficado maluco? Passa a vida em revista e vê que ela se transformara “em uma corrida de obstáculos, para conseguir encaixar sempre mais e mais coisas a cada hora do dia”. Teve a certeza de que adquirira a “doença do tempo”, tendo adotado o “culto à velocidade”, aquela sensação de que é preciso “pedalar cada vez mais rápido” para não cair da bicicleta.

Foi a partir desse acontecimento que Carl Honoré resolveu “investigar o preço da pressa e as perspectivas de um abrandamento do ritmo, num mundo obcecado com a ideia de andar cada vez mais rápido”. As suas andanças atrás dessas histórias resultaram no livro Devagar – Como um movimento mundial está desafiando o culto da velocidade (2005). Em inglês, “In praise of slow”, algo como “elogio da lentidão”.

No livro, em cada capítulo, ele visita pessoas e movimentos que adotam e divulgam o estilo de vida “Devagar”. Passando pela mesa, o “slow food”; cidades que lutam para manter aspectos tradicionais da vida cotidiana; médicos que exercitam a interação com os pacientes; pessoas que buscam reduzir o ritmo de trabalho; pais que procuram criar os filhos “sem pressa”, e sem impor-lhe uma agenda como se fossem pequenos executivos. E também fala do sexo Devagar.

Como sei que esse é um assunto que chama a atenção e esta coluna está precisando de audiência. Vou dar uma palinha do capítulo.

O movimento Sexo Devagar surgiu na Itália e seu fundador, Alberto Vitale, pretende resgatar o ato sexual da “velocidade alucinante do nosso mundo louco e vulgar”. Segundo o livro, Vitale desenvolve uma cruzada contra a “trepada rápida” e percorre cidades dando palestras sobre as alegrias do sexo Devagar.

Por sua vez, numa espécie de “entrei na história” Honoré matricula-se com a mulher em um curso de sexo tântrico para aprender desde a “sexualidade vagarosa e amorosa”, até exercícios para o fortalecer o “pubococcígeo, o feixe de músculos que vai do osso púbico ao cóccix”, que a professora chama de “músculos do amor”.

(Quem quiser saber mais, não somente sobre sexo Devagar, mas sobre o movimento de maneira geral, pode tentar encontrar o livro.)

NOTAS

Ceará
Carl Honoré é escocês, vive em Londres, e tem relação próxima com o Ceará. Na década de 1990, morou em Pacoti, como parte de um programa de intercâmbio; e em Fortaleza, atuando na ONG Terre des Hommes.

O rápido come o lento
No livro, Honoré lembra uma frase de Klaus Schwab, criador do Fórum Econômico Mundial: “Estamos passando de um tempo em que o grande come o pequeno para outro em que o rápido come o lento”.

Idolatria
Honoré adverte que não está em guerra contra velocidade, que, segundo ele, ajudou a modificar o mundo de maneira “libertadora”. Porém, quer que seu livro seja visto como um libelo contra a “idolatria” da velocidade.