Reprodução do artigo publicado na edição de 22/10/2015 do O POVO.

Hélio RôlaUma vela para o deus-mercado
Plínio Bortolotti

“Eu quero votar um orçamento em que o mercado acredite.”

Então, ficamos assim: há deputados que acreditam em deus, caso do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ); e aqueles que acreditam no “mercado”, como Ricardo Barros (PP-PR), autor da frase que abre o texto. A diferença é que Cunha acredita em um deus do qual ele possa servir-se para mercadejar malfeitos; e Bacelar é daqueles que veem mercado como o próprio deus.

Quanto a Cunha, é autoexplicativa a ideia que ele tem de deus, em vista das arrumação que fez com o nome do Senhor, abrindo a empresa “Jesus.com” para agasalhar carrões de luxo.

Quanto ao nobre deputado Ricardo Barros, relator da lei orçamentária de 2016, ele usou o nome do todo-poderoso mercado para propor um corte de quase R$ 29 bilhões no Bolsa Família, equivalente a 35% do valor do programa. Com objetividade, como deve agir um representante público, o deputado apelou para a lucidez do colegas, conforme registrou a edição de ontem deste jornal: “Precismos ser racionais, e não agir com emoção, não vou votar um orçamento deficitário”. Muito bem, deputado, nenhuma concessão, o interesse público acima de tudo.

Mas suspeito que sua excelência tenha faltado, ou talvez estivesse distraído, quando, no início deste ano houve aumento de 26,6% no salário dos parlamentares (R$ 33,763 mil), com elevação também da verba de gabinete (bolsa para pagar funcionários do mandato), auxílio-moradia (bolsa moradia) e cota de atividade parlamentar (bolsa para gastos diversos).

Se o deputado estivesse alerta, certamente teria contestado. Alto lá, além do salário, vamos receber mais R$ 92 mil para manter o gabinete, mais R$ 38 mil para gastos diversos e mais R$ 4 mil de bolsa moradia? O que o “mercado” vai pensar de nós?

Porém, talvez, o deputado não estivesse nem distraído, nem ausente. Deve ter-se lembrado que o pagador de seus privilégios é o cidadão contribuinte. E, genuflexo, deve ter corrido a acender uma vela para o deus-mercado.

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