Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 24/1/2016 do O POVO.

CarlusA magia de internet era apenas um truque
Plínio Bortolotti

Karl Marx criou o conceito de “mais-valia”, isto é a quantidade “extra” de trabalho contido em determinada mercadoria, que é apropriada pelo capitalista.

Porém, o capitalismo não se apropria apenas do trabalho vivo do operário, mas aprisiona em sua rede ideológica tudo o que circula – materialmente ou imaterialmente – pelo sistema produtor de mercadorias.

O ameaçador movimento hippie, por exemplo, nos seus estertores no meio da década de 1970, já havia sido domado ao ponto de virar propaganda de uma uma calça jeans. Os barbudinhos que pretendiam revolucionar o sistema já haviam sido triturados pela grande moela capitalista e podiam ser apresentados como inocentes jovens, adeptos de um inofensivo conceito de rebeldia: “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”.

Todos os avanços tecnológicos, tudo o que é produzido, tudo o que é inventado, tudo o que é pensado, está submetido à lógica do sistema e, de algum modo, é apropriado pela sua elite. E aqui não vai nenhum juízo de valor, estou apenas narrando o jogo. Do mesmo modo que o “socialismo real” tinha o seu modo de tudo submeter à sua lógica.

Com a internet surgiram pelo menos dois mitos: que a nova tecnologia iria melhorar a vida das pessoas e que a democratização dos meios de comunicação estava a um toque de dedos nos teclados, pois bastavam um computador e uma conexão para “qualquer um” falar com “o mundo inteiro”.

Por temperamento cético, me mantive longe da euforia dos muitos que atribuíam poderes mágicos aos novos meios eletrônicos. Não por acaso, logo surgiram os “gurus” dessa nova era do ouro, como Steve Jobs (Apple) e Jeff Bezos (Amazon), que já foram retratados como divindades na capa de grandes revistas internacionais.

Por essa visão romântica, a educação pela informação se disseminaria e tremeriam as grandes empresas de comunicação. Desfazer-se-ia o poder dos grandes meios; despareciam o controle e a comunicação unidirecional. Acabava o tempo do leitor, ouvinte e espectador passivos, que desfrutariam agora da possibilidade de confrontar discurso do emissor.

É claro que, em certa medida, isso se cumpriu, mas o que vem acontecendo é que se trocou um senhor por outro. Suspeito que chegará o tempo em que sentiremos saudade do monopólio da Rede Globo, que vai parecer brincadeira de criança, frente ao controle que exercem sobre seus usuários redes sociais tipo Facebook ou Wathsapp.

Pois bem. Recente estudo do Banco Mundial mostra que a ideia da internet como democratizadora do acesso à informação pode estar errada. Segundo relatório do banco, a rede pode, na verdade, estar aumentando a desigualdade no mundo.

O documento afirma que as mudanças não melhoraram o acesso a serviços públicos ou o aumento das oportunidades econômicas, como se previa. “As tecnologias digitais estão se espalhando rapidamente, mas os dividendos do crescimento digitais, empregos e serviços têm ficado para trás”, anota o relatório.

O banco mostra que as pessoas com alto grau de educação e boa situação financeira (a elite) aproveitam mais a internet do que pessoas sem as mesmas condições. Segundo o estudo, 60% da população mundial ainda permanece offline. A pesquisa observa que o acesso à internet será incapaz de reverter a situação.

Resumindo: a internet é um instrumento – não uma panaceia – e quem determinada como ela vai funcionar e a quem vai servir, são os de sempre – os que mandam: no mundo atual, as grandes corporações.

NOTAS

Os novos…
A edição de janeiro deste ano da revista americana Fortune trouxe em sua capa Jeff Bezos retratado como Vishnu, deus hindu. Vishnu, pesquisei, significa “aquele que tudo penetra”, e a Amazon se prepara para entrar no mercado da Índia.

…deuses
A britânica The Economist apresentou Steve Jobs (Apple) com uma auréola, como se fosse Jesus, com o título “The book of Jobs”, na edição de janeiro de 2010, quando do lançamento do IPad, o tal livro de Jobs.

Créditos
A internet está aumentando a desigualdade social (estudo do Banco Mundial). Para quem quiser ver outros textos que escrevi sobre o assunto: aqui e aqui.

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