Reprodução de artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 8/9/2016 do O POVO.

A manifestação e as nuvens

Maioria das vezes, o que espanta nem são as besteiras habituais cometidas por muitos políticos, mas a bobagem dita para justificar o despautério. Incluem-se no mesmo item as avaliações ligeiras, o menosprezo aos adversários e o vezo autoritário que os deixa eriçados a qualquer crítica.

No dia 1º/9, escrevi no Twitter: “Governo de São Paulo proíbe manifestações no domingo na (avenida) Paulista. Coisas assim costumam ter efeito contrário”. Mas o negócio não parou aí. Da China, um dia antes da passeata, o presidente Michel Temer desdenhou dos manifestantes como “um grupo de 40 ou 50 pessoas que quebram carro (referência aos black blocs)”.

Não deu outra: 100 mil pessoas estiveram na manifestação “Fora Temer” no domingo (4/9). Jornais informaram que “quatro quarteirões” da avenida haviam sido ocupados, dando credibilidade ao cálculo dos organizadores.

O governo é novo, porém seus integrantes nem tanto, por isso deviam saber que provocações favorecem o adversário. Mas parece que o fracasso subiu-lhes à cabeça, impedindo raciocínios claros.

Devia estar fresca na memória a rebordosa que Collor de Mello sofreu quando era era presidente. Corria o ano de 1992; acuado pelas manifestações que levariam a seu impeachment, Collor convocou a população a usar verde e amarelo “no próximo domingo” para mostrar que a “maioria” estava ao lado dele. O resultado foram as ruas de todo o país inundadas por milhares de pessoas vestindo preto, em arrasador protesto.

Henrique Meirelles ainda correu em socorro de Temer, tentando consertar o estrago. O ministro condescendeu que 100 mil pessoas era um número “substancial”, mas escorregou insistindo no desafio: “Já tivemos manifestações maiores (referência aos que pediam o impeachment)”.

Meirelles é sujeito experiente, mas também se esquece da velha máxima de Magalhães Pinto: “Política é como nuvem; você olha, está de um jeito; olha de novo, e ela já mudou”.

PS. A atuação de 40 ou 50 block blocs não justifica a violência covarde da PM paulista.

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