Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 2/10/2016 do O POVO.
Ainda seremos humanos?
Haveria algo em comum entre um professor de humanidades – para quem o homem era mais feliz na época pré-revolução agrícola, e crítico do sistema capitalista – e um engenheiro, fundador do Fórum Econômico Mundial, entidade financiada por grandes empresas transnacionais?
A resposta é: existe. E a preocupação a uni-los é o futuro da humanidade.
Esse futuro próximo transformará o homem em um deus, capaz de vencer as doenças e a morte, combinar suas partes orgânicas com inorgânicas (indiferenciação entre homem e máquina), implantar extensões de memória, baixá-la em computador e “editar” bebês para criar seres humanos programados.
Estou falando de dois livros “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, do professor Yuval Noah Harari (já comentado nesta coluna), e “A quarta revolução industrial”, de Klaus Schwab, diretor do Fórum Econômico Mundial.
As duas obras abordam o mesmo assunto, a partir de prismas diferentes, mas convergindo em pontos centrais. Harari vê as mudanças de modo mais filosófico; Schawab, de forma mais “técnica”, analisando seus efeitos práticos, sem deixar de abordar os dilemas éticos.
Schwab relaciona o desenvolvimento sem precedentes nas áreas da robótica, física, biotecnologia e informática, em confronto com alguns regiões do mundo que ainda não chegaram à segunda revolução industrial (1,3 bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade) ou à terceira: quatro bilhões de pessoas, metade da humanidade, vivem em países em desenvolvimento, sem acesso à internet.
Para ele, o futuro será angustiante se os benefícios da inovação tecnológica não forem estendidos a todos os setores da sociedade. Para superar o problema, ele propõe “repensar” os atuais sistemas econômicos, sociais e políticos. Diz que as novas tecnologias provocarão mudanças econômicas, sociais e culturais de proporções “fenomenais”, levando a uma “gigantesca” mudança histórica em todo o mundo.
A quarta revolução industrial também poderá trazer uma “desigualdade exacerbada”, com grande redução no número de empregos, aumentando “o fosso crescente” entre a riqueza dos que dependem do trabalho e aqueles que detêm o capital”. Ele dá como exemplo as três maiores empresas automobilísticas de Detroit (1990) com 1,2 milhão de empregados; e as três maiores empresas do Vale do Silício (2014), com 137 mil funcionários, com faturamento equivalente.
Se a quarta revolução industrial se transformar em uma dinâmica de “tudo ao vencedor”, entre países ou dentro deles, adverte Schwab, haverá “maior número de conflitos e tensões sociais”. Segundo ele, os líderes mundiais precisam assegurar que as mudanças vão melhorar a vida dos povos, caso contrário, “a agitação social, a migração em massa e o extremismo violento poderão ser intensificados”.
Por isso, afirma, será preciso garantir que nenhuma parte do mundo fique para trás. “Isso não é um imperativo moral; é um objetivo crucial para mitigar o risco de instabilidade mundial”.
Nos últimos capítulos, Schwab afirma que não está mudando apenas o que fazemos, mas o que somos. E aqui ele se encontra com Harari na inquietação de que estamos no limiar de redefinir que é ser “humano”.
(Se o diretor do Fórum Econômico vivesse no Brasil, sem dúvida, seria chamado de “petralha”.)
NOTAS
Primeira revolução industrial (séc. XVIII)
Desenvolvimento da locomotiva e da máquina a vapor e sua aplicação na indústria têxtil.
Segunda revolução industrial (sécs. XIX/XX)
Eletricidade usada para produção em massa. Desenvolvimento da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço.
Terceira revolução industrial (séc. XX)
Disseminação do uso da internet, tecnologias de comunicação e a digitalização. Surgimento de celulares, computadores pessoais, notebooks.
Quarta revolução industrial (séc. XXI)
Fusão de tecnologias, cruzamento das esferas físicas, digitais e biológicas; realidade virtual misturada com o mundo físico. Robôs e softwares convivendo com seres humanos etc.
Crédito
O homo sapiens e sua aventura sobre a terra: comentário ao livro do professor Yuval Harari.
Transcrevo opinião do INSTITUTO LIBERAL:
O capitalismo tem dessas coisas. Nele, as pessoas são movidas pelo lucro e pelo auto-interesse, mas logo percebem que só conseguirão prosperar caso seu esforço e seu trabalho atendam às necessidades alheias. Não por acaso, a grande maioria dos homens que mais benefícios trouxeram à humanidade não eram movidos por ideais altruístas, mas pelo desejo de prosperidade individual.
A imensa maioria das criações humanas, que beneficiam bilhões de indivíduos mundo afora, e muitas vezes representam a diferença entre a vida e a morte, vacinas, remédios e equipamentos hospitalares, por exemplo, são resultado não de intenções altruístas e benevolentes, mas pura e simplesmente de lucro e interesses próprios.
Os pobres não têm qualquer chance fora do capitalismo.