Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 8/10/2017 do O POVO//

Em busca da palavra mais bela

Na sua crônica “Risco de eleger uma ‘palavra preferida’ é deixar as outras enciumadas”, o escritor Sérgio Rodrigues conta que frustrou um jornalista estrangeiro que o entrevistava sobre seu livro “Viva a língua brasileira”. Perguntou-lhe o repórter qual a palavra de que mais gostava na língua portuguesa; Sérgio preferiu não responder. “Não tenho nada parecido com uma palavra preferida, na língua portuguesa ou em qualquer outra”.

Percebendo a decepção do jornalista alienígena, Sérgio disse ter pensado em procurar uma “resposta espirituosa” para “improvisar” em uma próxima entrevista. “Não adianta. A ideia de eleger uma menina dos olhos entre milhares e milhares de palavras me provoca uma leve náusea.”

Imediatamente lembrei-me da crônica “As dez mais bonitas”, de Paulo Rónai. Ele conta que, em 1952, a revista francesa Vie et Language organizou um concurso entre os leitores para escolher as dez palavras mais bonitas do idioma francês. Foi um projeto longo e meticuloso, tendo demorado um ano para sair o resultado.

A revista convidou escritores, artistas e professores para indicar, cada um deles, as dez palavras que consideravam mais bonitas. A partir das respostas, foram compilados 300 vocábulos, depois impressos em cédulas, nas quais 1.400 leitores votaram. Estas são as dez palavras escolhidas em ordem decrescente: cristal, marjolaine, amour, mamam, aurore, murmure, libellule, azur, émeraude, gazelle.

Rónai observa que os votantes em geral não dissociaram a forma e o sentido da palavra, escolhendo os que correspondiam a “noções afetivas” (mamam, amour), pitorescas (azur, émeraude, aurore, cristal), um nome de planta (marjolaine), dois de bichos graciosos (libellule, gazelle) e murmure (que designa ruído agradável).

Em nenhum dos casos, observa Rónai, “o elemento sonoro prevaleceu sobre o sentido: não há entre as dez palavras, nenhuma que designe coisa feia, esquisita, grotesca ou triste. Em suma, para a maioria das pessoas bela é a palavra que, além de sonora, evoca ideias agradáveis”. O escritor ainda observa que os votantes “não escolheram nenhuma palavra excessivamente rara ou de sentido indeterminado”.

Ele registra que, das dez palavras selecionadas pelo poeta Paul Valéry, nenhuma delas entrou na lista dos leitores. “Alguns dos profissionais mais interessados nesta espécie de inquérito, os poetas, talvez tirem a conclusão de que para comover os leitores não é preciso vasculhar o dicionário à busca de palavras que só existem no papel”, cutucou Rónai.

Ao fim da crônica, escrita em 1953, ele pergunta: “Quais seriam as dez palavras mais bonitas do português do Brasil?”

Em 1992, Otto Lara Resende começa assim a sua crônica “Belo nome de sábio”: “Um grupo de colegiais me pergunta qual é a palavra mais bonita da língua portuguesa”. Em seguida, ele narra a história da revista Vie et Language dizendo que, no seu texto, não fez mais do que repetir “o que havia lido no Paulo Rónai”.

Lara Resende lembra que a busca pelas palavras mais bonitas é uma “velha e corriqueira curiosidade, que vai e volta. Em todos os países e em todas as épocas esta pergunta se repete”.

A propósito, pergunto eu: quais seriam as dez palavras mais bonitas do linguajar nordestino? Será que escolheríamos somente pela sonoridade ou também não conseguiríamos separá-las de seu significado?

NOTAS

RÓNAI
Paulo Rónai (1907-1992), segundo Otto Lara Resende (na crônica citada no texto): “Humanista, poliglota, húngaro de nascimento. Nenhuma dúvida de que é um dos dez melhores nomes da cultura brasileira. E dos mais bonitos. Poeta e missionário. Um sábio”.

OTTO
Otto Lara Resende (1922-1992) foi escritor e jornalista, tendo publicado o romance “O braço direito” e vários livros de contos.

CRÉDITO
Paulo Rónai: “Como aprendi o português e outras aventuras” (editora Globo); Otto Lara Resende: “Bom dia para nascer” (Companhia das Letras); Sérgio Rodrigues: Risco de eleger uma “palavra preferida” é deixar as outras enciumadas.

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