Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 30/11/2017 do O POVO.
Trabalhador ao modo “stand by”
Um dos pontos mais perversos da reforma trabalhista que Temer e sua turma impuseram ao Brasil, com PSDB e tudo, foi o trabalho intermitente. O modelo instituiu uma espécie de servidão, que amarra o trabalhador aos humores do empresário, que o tem ao seu dispor 24 horas por dia, bastando que o convoque a prestar o serviço. E o empregado receberá apenas pelas horas trabalhadas, o que vai ocasionar salários inferiores ao mínimo (R$ 937).
A “modernização” impede ainda que o trabalhador arrume qualquer outra viração, pois ficará vinculado aos humores de seu senhor, que poderá intimá-lo a qualquer hora, como se fosse um servo da Idade Média. Mas, como agora somos pós-moderninhos, pode-se chamar também de “trabalhador ao modo stand by”.
E, como se diz por aí, além da queda, coice. A Receita Federal divulgou normas para o recolhimento de INSS sobre esse tipo de trabalho, estabelecendo que o empregado fica obrigado a complementar a contribuição, caso recebe valor abaixo do salário mínimo no mês, se quiser garantir contagem de tempo de serviço para efeito de aposentadoria.
Vejam no que isso dá.
A rede Centerbox divulgou recentemente anúncio para contratar 50 caixas “intermitentes” para trabalhar 4 horas/dia seis dias ao mês. Faça as contas: o trabalhador vai receber R$115,44 por mês. Sobre esse valor, será descontado 8% de INSS, restando-lhe R$ 106,20; portanto, para chegar ao salário mínimo faltam R$ 830,80. Aplicando 8% de INSS sobre esse valor chega-se a R$ 66,46. Ou seja, R$ 106,20 – R$ 39,74 = R$ 66,46* por mês: a fortuna que o trabalhador terá para sustentar a sua família.
O mais provável, no caso de o desespero forçar alguém a se submeter a essas indignas condições de trabalho, é que deixe de recolher o INSS, dando adeus a aposentadoria e também enfraquecendo mais ainda o caixa da Previdência.
Será que existe alguém que considere justo esse tipo de esbulho? “Intermitente” só me faz lembrar doença, algum tipo de febre causada por infecção social maligna.
*Corrigido às 11h58min de 30/11/2017 (antes constava R$ 39,74. Por óbvio, nada muda nos argumentos.
Isso já acontece com diversas categorias, como piscineiros, jardineiros, bombeiros e eletricistas.
Fazemos contratos por hora de trabalho.
E eles não são impedidos de ter outra viração, atendendo a vários condomínios e casas.
Alguns profissionais mais qualificados, consultor ou freelancer, também cobram por horas de serviço, mas quase sempre já pagam o teto do INSS.
A medida da Receita Federal é correta. É preciso trabalhar e contribuir para ter direito a aposentadoria.
Se não contribuir alguém vai ter que pagar mais.
O que ocorre atualmente é que muitos deixam de recolher.
Lamentavelmente muitos condomínios não fazem esse recolhimento.
Agora há uma possibilidade, assinando-se um contrato, saindo da informalidade.
Cito Mansueto Almeida:
Estou reforçando o debate sobre a previdência. Nós estamos num momento em que as pessoas querem acreditar que existe solução fácil para tudo, infelizmente não há. Temos que ser adultos e tomar decisões. Para quem nega o déficit da seguridade social e da previdência, fala que a DRU retira dinheiro da seguridade. O governo vai acabar com a DRU, vai acabar a transferência dos recursos e o déficit vai continuar.
Nada a ver, camarada, você citou somente profissionais autônomos. Se quiser fazer a defesa dessa brutalidade, faça, mas arranje uns argumentos melhorzinhos.
As contas estão erradas, Plínio.
Olá, Dr. Aritmética, qual conta está errada? Pode corrigir, sem problema.
“O Brasil não tem Povo, tem Público” Lima Barreto
Parabéns pelo artigo.
Considero que pra quem está desempregado e em todo lugar que vai oferecer seu trabalho só recebe indiferença e um implícito ou explícito “NÃO”, ganhar 80 reais seja melhor do que nada. Quando digo nada, é nada mesmo. Nada. Zero. Acho que não percebem isso porque vcs já têm seus empregos e um padrão de vida bom.
Repetindo: é horrível? É, mas pra quem não tem nada, 1 sempre será melhor do que zero.
Caro Pedro,
Claro que se entende a situação de quem precisa desesperadamente que algum dinheiro. Mas, veja, seguindo esse raciocínio daqui a pouco se estará dizendo que o cidadão pode trabalhar a troco de comida, voltaríamos à escravidão. O fato é que reduzir direitos não aumentam empregos: o que faz isso é o crescimento da economia. O que vai acontecer é a demissão de trabalhadores fixos para se contratar temporários – e a situação via piorar para todos. Veja você a isenção de impostos que foram concedidos às empresas no governo Dilma: aumentou os empregos ou os grandes empresários apenas embolsaram aquilo que economizaram?
Esqueci de acrescentar: Dizem que é só estudar, ter qualificação que as pessoas crescem na vida. Pois a prática mostra que as empresas querem sempre mais. Vc tem graduação e querem que tenha pós-graduação. Ah, vc já tem pós? Faça MBA. E assim exploram os trabalhadores o quanto podem. Ele se mata de estudar e é rejeitado porque não tem experiência ou não faz parte da panelinha. Vc é empresário e tem um colega que conhece alguém. Ao mesmo tempo vc recebeu o currículo de um estranho. Quem será que vc vai escolher? Entendeu a jogada?
Transcrevo o texto de Caldas.
“…
A reforma trabalhista sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 13 de julho cria uma categoria de serviço que até então inexistia nas leis de trabalho: a do contrato intermitente. Agora, empresas podem contratar um funcionário para trabalhar esporadicamente e pagá-lo apenas pelo período em que prestou seus serviços. Esse é um dos diversos pontos em que as leis trabalhistas serão alteradas. A mudança, assim como todas as outras previstas na reforma, começará a valer a partir do momento em que entrar em vigor, no mês de novembro (120 dias após sua sanção).
Antes, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não regulamentava o trabalho intermitente. O contrato com o menor número de horas era o parcial, que tinha no máximo 25 horas semanais (substituídas por 30 horas semanais, com a reforma trabalhista). O contrato intermitente, por sua vez, não define uma carga horária mínima de horárias trabalhadas. Na prática, o funcionário poderia até ser contratado para prestar duas horas de serviço por semana — ou por mês. Os limites máximos de jornada garantidos pela Constituição são mantidos, no entanto: 44 horas semanais e 220 horas mensais.
“O trabalho intermitente não tinha previsão no nosso ordenamento jurídico — na CLT ou em qualquer outra lei. É uma criação nova”, diz Osvaldo Kusano, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia. “Continua sendo um contrato de trabalho. Ele ainda tem os benefícios da Previdência, o FGTS… A única questão é que isso flexibiliza os períodos de prestação de serviço tanto para o empregado, quanto para o empregador.”
Funciona assim: o empregador (empresa) faz um contrato com um funcionário que fica à sua disposição até ser “convocado” para o trabalho. Quando precisar dele, a companhia tem de avisá-lo com pelo menos três dias de antecedência. O profissional, então, presta serviços à empresa pelo tempo combinado, seja qual for esse período — três horas, duas semanas, cincos meses, não importa.
“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”, diz o texto da reforma trabalhista.
A “convocação” do trabalhador deve acontecer “por qualquer meio de comunicação eficaz” (telefone, WhatsApp até Messenger, desde que a pessoa faça uso desses meios). Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado. Não respondeu? Ficará presumida a recusa da oferta. Tal recusa, vale destacar, não caracteriza insubordinação. O texto da reforma não deixa explícito, contudo, o número de vezes que o empregado pode recusar ofertas. Ainda de acordo com o texto da reforma, quando aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir deverá pagar à outra uma multa de 50% da remuneração no prazo de 30 dias.
O contrato de trabalho intermitente deve ser feito por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho. Essa quantia não pode ser inferior ao “valor horário” do salário mínimo nem inferior ao salário dos demais empregados daquela empresa que exerçam a mesma função — em contrato intermitente ou não. A remuneração por hora será sempre a mesma em todas as convocações. Não pode mudar de serviço para serviço, por exemplo. Enquanto aguarda por mais trabalho, o funcionário não recebe nada. Mas fica livre para prestar serviços a outros contratantes.
Depois de completar aquele serviço, o funcionário tem de obrigatoriamente receber por aquele período imediamente em seguida. O valor deverá incluir remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado (o domingo ou dia de folga da categoria) e adicionais legais (como hora extra, se for o caso). O dinheiro referente ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) é depositado na conta do funcionário na Caixa Econômica Federal, como acontece com um trabalhador regular em contrato CLT. O recibo de pagamento deverá conter a discriminação de cada um desses valores, para que o trabalhador saiba o que está recebendo.
Também entre os direitos do contratado estão férias de 30 dias. Mas como o funcionário sempre recebe as férias em dinheiro depois do trabalho, o benefício aqui fica sendo apenas um mês sem trabalhar. “A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”, diz o texto da reforma trabalhista.
Agora, você pode estar se perguntando: se a empresa só precisará do trabalhador esporadicamente, por que iria contratá-lo — tendo de pagar todos os direitos exigidos pela CLT —, se poderia simplesmente conseguir um autônomo ou pessoa jurídica? A chave está no principal elemento que caracteriza o vínculo empregatício: a subordinação. Ou seja, o funcionário ter de obedecer ordens e ter todo o processo do seu trabalho supervisionado. No caso do autônomo, o profissional atua com total independência — sem pitacos. O que importa é a entrega dos resultados.
“A subordinação é um elemento imprescindível da relação de emprego, como aparece no artigo 3º da CLT”, afirma Antônio Silva Neto, assessor jurídico do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara. “Se você for averiguar tanto na doutrina trabalhista quanto na jurisprudência do próprio TST [Tribunal Superior do Trabalho], a subordinação é um dos elementos mais importantes.”
…”
Fonte : http://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2017/07/reforma-trabalhista-como-funciona-o-trabalho-intermitente.html