Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião do O POVO, edição de 7/12/2017

De filosofia e fascismo

Fui ver a “aula aberta” da professora de filosofia Marcia Tiburi no Porto Iracema das Artes, na companhia de uma multidão de jovens, para quem ela é uma espécie de “filósofa pop”. Confesso não haver lido nenhum de seus livros – os mais conhecidos são “Como conversar com um fascista” e “Ridículo político”. Também não pude fazer anotações de sua fala, pois, logo no início, acabou-se a tinta da minha caneta e, como um pistoleiro descuidado (sim, ela disparou uma ou duas frases contra a imprensa), eu havia levado apenas uma arma.

Mas considerei a análise dela a respeito da situação no país “psicologizante” demais, como tudo se resolvesse no interior do indivíduo, sem que o exterior, o contexto, exercesse grande influência. O crescimento da ultradireita não se dá porque uma força maléfica apossou-se das pessoas, nem porque a imprensa tornou-se pior.

O mesmo povo que elegeu Barack Obama levou Donald Trump ao poder. Os americanos, por alguma convulsão interior, tornaram-se “fascistas”? No Brasil, Lula e Dilma foram eleitos contra o sistema (com imprensa e tudo). O que vem acontecendo é que as pessoas estão com raiva da decadência da política e dos políticos; não veem vantagem em um sistema dito “democrático”, mas que favorece apenas os super-ricos. Essa é a raiz da crise – e é perigosa.

Por óbvio, existe um segmento no qual afloram os “instintos mais primitivos” e outro que se põe na vanguarda do atraso, procurando capitalizar politicamente a situação.

Mas por que Lula, agora, apanhando pra cachorro, aparece como o candidato preferido dos brasileiros? Por que Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas? Porque são candidatos, aparentemente, de fora do sistema e, em situações assim, os outsiders levam vantagem. (Lula e Bolsonaro estão dentro, mas são espertos o suficiente para se apresentarem como candidatos anti-sistema, em uma ponta e outra do espectro ideológico. O voto “Bolso-Lula”, como apontam pesquisas, não é mero acaso.)

De qualquer modo, foi interessante ver a aula de Marcia Tiburi e seu vínculo com os jovens, a quem deu, inclusive, uns “toques” (de leve), mostrando que a intolerância não é exclusividade da direita: “Olhem-se no espelho”, convidou ela.

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