Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 14/1/2018 do O POVO.
O neoliberalismo inventou a pós-verdade
A impressão generalizada é que a “pós-verdade” tenha nascido em 2016 com o Brexit (campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia) e com a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Um ensaio de Wolfgang Streeck, publicado na revista piauí, desmonta essa ideia e argumenta que essa onda surgiu com o neoliberalismo e a globalização. Streeck é um sociólogo alemão e diretor do Instituto Max Planck para o Estudo das Sociedades. Seu texto tem o título de “O retorno do recalcado – O começo do fim do capitalismo neoliberal”.
O trecho sobre os “fatos alternativas” é apenas um dos aspectos abordados por Streeck no artigo, no qual ele mostra que as principais promessas do neoliberalismo – todo mundo sairia ganhando: pessoas, empresas e países – foram caindo uma a uma, com a conta da esbórnia sobrando para os mais pobres. Ou seja, segundo o sociólogo, o neoliberalismo foi construído sobre várias camadas de mentiras. Então, os perdedores de sempre revoltaram-se contra essa política, passando a eleger pessoas que se apresentavam como de “fora do sistema”. De algum modo, o texto dialoga com o documentário “Salvando o capitalismo”, de Robert B. Reich, cuja resenha publiquei anteriormente nesta coluna.
Essa ideologia, continua Streeck, prosperou pela generalização do “pensamento único” ou como diz Streeck, sob o signo da deusa “Tina” (“There is no alternative” ou não há alternativa). A deusa Tina exigia submissão total aos seus desígnios, como se fossem leis da natureza. Era preciso dar liberdade ao capital, abrir mercados e livrá-los de qualquer controle estatal; os benefícios do estado de bem-estar social tinham de ser exterminados para ser criada uma “nova era de racionalização capitalista”.
Para Streeck, isso resultou em um processo de “regressão constitucional”: involução dos partidos, desinteresse popular cada vez maior pela política, “derretimento da organização sindical” e retraimento de todos os mecanismos de distribuição de renda, que vigoravam nas democracia europeias do pós-guerra. Como “nem de longe” o liberalismo foi capaz de cumprir a promessa de bem-estar para todos, seus ideólogos inauguraram a era da pós-verdade na política, criando uma narrativa para justificar seus erros, escancarados na realidade de que essa política beneficiou apenas o 1% mais rico.
Quando as “pessoas comuns” se viram “esmagadas pela força da economia global, de um lado, e pelos efeitos das políticas de austeridade nacionais, em matéria de educação e treinamento, de outro”, passaram a se bandear para políticos como Trump e votar a favor do Brexit, os liberais perceberam o tamanho da encrenca em que haviam se metido e passaram exigir a “checagem dos fatos”, escreve Streeck.
O sociólogo alemão escreve sobre a Europa, no entanto, parece estar fazendo um alerta para o Brasil. Se, de algum modo, as políticas mais duras do neoliberalismo estavam contidas no País, o governo de Michel Temer tenta impô-las a poder de marteladas. A revogada portaria do trabalho escravo – uma indignidade da qual Temer recuou na marra -; a “reforma trabalhista”, que castrou direitos e impôs a “jornada móvel”; o reajuste pífio do salário mínimo; a reforma da Previdência; os ataques ao Bolsa Família e outras tantas exigências da “deusa Tina” ainda encontram “sacerdotes” no Brasil dispostos a ajoelhar-se aos seus pés.
NOTAS
RICOS E POBRES
Pesquisa da Oxfam mostra que o 1% mais rico da população mundial detém renda equivalente aos 99% restantes. As 62 pessoas mais ricas do mundo acumulam recursos igual aos 50% mais pobres da população mundial.
NO BRASIL
Segundo levantamento do IBGE (2016), 10% da população brasileira fica com 43,4% da massa de rendimentos recebida; sendo que 90% ficam com 56,6%. O 1% de maior rendimento embolsa, em média, R$ 27.085; enquanto a metade de menor renda recebe R$ 747.
CRÉDITO
Artigo completo de Wolfgang Streeck na piauí; resenha do filme “Salvando o capitalismo”, com o título O mito do livre mercado.
Caro Plinio,
Tenho uma observação a fazer com relação ao seus posts. Quando voce fala sobre a policita nacional, que aponta pontos claros de personas politicas de direita, voce toma uma enxurrada de criticas negativas e é taxado de esquerdista e etc. Porem quando voce abrange a ideia de problemas causados pelo “liberalismo acima de tudo”, e de que a “direita esta do lado dos bons costumes” nao vejo nem um comentario. É como se as pessoas ignorassem os fatos e apenas leem aquilo que lhes interessa para que possam suflar seu arsenal de criticas. Que pena que estamos em um mundo onde nao se debate, se bate!
Abraço, Helison Silva
Olá, Helison,
Já estou acostumado com esse tipo de crítica. Faz parte do jogo. : )
Agradeço pelo comentário.
Plínio