Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, edição de 29/3/2019 do O POVO.
A marcha da insensatez
No filme “Carlota Joaquina – Princesa do Brazil”, a diretora Carla Camurati atribui a dom João VI (tido como um rei inseguro) a frase: “Se você não sabe o que fazer, melhor não fazer nada” . Se houvesse trocado o verbo “fazer” por “falar”, o monarca do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves teria deixado ótimo conselho para certos ministros supremos e autoridades nem tanto.
Depois de o distinto público ser brindado pelo show de impropérios oferecido pelas togas do Supremo Tribunal Federal (STF), vem o presidente da República, Michel Temer – o candidato à reeleição a um cargo para o qual nunca foi eleito -, exprimir loas à ditadura militar, por meio de sua, precisa e exatamente, escorregadia prosódia.
Adotando ar professoral, diante de uma seleta plateia de empresários e políticos, o presidente fez um tour pela história mostrando como, supostamente, o povo brasileiro gosta de governos centralizadores. Chegou ao fatídico 31 de março de 1964 afirmando que “o povo se regozijou”, pois houve uma “centralização absoluta do poder”. Traduzindo: implantou-se a ditadura. Mas Temer, o constitucionalista, nem notou que os militares atropelaram a Carta Magna com o mecanismo dos tanques. Ainda afetando distanciamento, Temer, o historiador, classificou como “interessante” a ideia de que “não houve golpe de Estado”, pois havia “desejo” pela “concentração de poder”.
Com que propósito, em conjuntura tão conturbada, o presidente resolve gastar seu tempo declarando simpatia com um regime ditatorial, no momento em que a intervenção federal no Rio de Janeiro é comandada por um general?
E as anomalias entrelaçadas continuam crescendo.
A caravana de Lula é atacada a tiros por criminosos. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, sofre ameaças de celerados, que também atingem a sua família.
Circunstâncias graves exigem bombeiros. Porém, instituições ou pessoas, que poderiam assumir o papel, estão de férias ou tornaram-se os piores incendiários. De algum modo, é preciso deter essa marcha da insensatez, caso contrário o fogo vai espalhar-se, consumindo-nos a todos.
Afirmar que Temer e seu governo são um desastre é uma coisa, o cara conseguiu ser mais impopular que José Sarney.
Afirmar que ele conspirou e articulou para derrubar Dilma é uma coisa.
Já afirmar que ele é “candidato à reeleição a um cargo para o qual nunca foi eleito” é outra completamente diferente
Afinal, segundo a Constituição em seu Art 77, § 1º:
“CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
TÍTULO IV – Da Organização dos Poderes (Redação da EC 80/2014)
CAPÍTULO II – DO PODER EXECUTIVO
Seção I – DO PRESIDENTE E DO VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. (Redação da EC 16/1997)
§ 1º – A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.”
A menos que eu esteja sofrendo de demência senil e não esteja interpretando corretamente o que está escrito, me parece que o que diz no texto constitucional é que se elege uma chapa, composta de presidente e vice-presidente e não apenas o presidente. Quem elegeu Dilma elegeu também Temer.
Quando o qualifica de ilegítimo está se dizendo que ele tomou conta do Jaburu e afirmou que a partir daquela data seria o vice-presidente?
Taxá-lo de ilegítimo e que não foi eleito é um equívoco.
Caro Saulo,
O que você escreve apenas confirma o que eu escrevi, ou seja, Temer não foi eleitor “presidente” e sim vice-presidente. Agradeço pela leitura e pelo comentário.
Caro Plinio
Concordo que ele não foi eleito presidente e sim vice-presidente. Porém, o vice-presidente deve substituir ou suceder o presidente em seus impedimentos. É um de seus substitutos eventuais.
Logo, ele foi eleito para ser presidente caso necessário.
Ser golpista ou um desastre não implica ser ilegal.
“Ao Vice-Presidente cabe substituir o Presidente, nos casos de impedimento (licença, doença, férias), e suceder-lhe no caso de vaga, e, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais (art.79, parágrafo único).”
Boa Páscoa.
Então, o não foi eleito presidente é mais uma artimanha jornalistica para “bombar a notícia”.
Temer é um presidente sem votos porque conspirou contra a mandatária para articular sua queda e a própria ascensão ao poder. Traiu os eleitores de Dilma ao adotar não um projeto de país, mas um projeto de mercado elaborado pelos empresários que lucram com o abismo social brasileiro. É ilegítimo porque seu projeto não serve ao interesse público, não foi democraticamente elaborado, fere a soberania nacional e ameaça a emancipação de milhares de miseráveis de nosso país. Não foi eleito. Utilizou um ardil, um jeitinho, para assumir a cadeira de presidente. É o mais ridículo mandatário que o povo brasileiro teve o desprazer de assistir vestir a faixa presidencial.