Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, O POVO, edição de 29/11/2018
Jornalismo é oposição?
Sempre impliquei – por discordar da comum interpretação restrita – de uma frase de Millôr Fernandes, repetida à náusea por tantos quantos, a ponto de se tornar um clichê: “Jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”.
Leve-se em conta que Millôr era um provocador e seus “apotegmas” tinham o objetivo de fazer pensar; não de encerrar uma verdade completa. Suponho que ele deve pensado no assunto em momento muito específico, durante a ditadura militar, com a qual – de fato – não se podia compactuar.
Para além de seu significado aparentemente óbvio, a palavra “oposição” no termo cunhado por Millôr pode ter sentido que ultrapasse governos. Ou seja, jornalismo é oposição a qualquer tipo de poder: político, econômico, sindical ou religioso, o que ampliaria o seu sentido.
Por fim, “oposição” pode ser um alerta para que os jornalistas não baixem a guarda, sendo sempre fiscais rigorosos do poder, observando, analisando e verificando os fatos, aplicando seu melhor esforço em busca da verdade. Esse o entendimento que mais me agrada.
Repassei esse raciocínio pois, durante o governo Dilma Rousseff, os defensores do impeachment cobravam “oposição” dos jornalistas que ficaram contra o impedimento, esgrimindo a frase de Millôr. Estranhamente, muitos desses, agora, querem sujeição ao governo que se iniciará.
Talvez essa cobrança se escore no discurso do presidente eleito, que promete uma administração “técnica”, como se fosse uma fórmula matemática imune a contestações. Nas palavras de Jair Bolsonaro: “A questão ideológica é tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil. São dois males a ser combatido. O desaparelhamento do Estado, e o fim das indicações políticas, é o remédio que temos para salvar o Brasil” (reprodução literal). No entanto, isso é apenas uma capa para esconder um governo hiperideológico, apresentado, porém, como “não ideológico”, discurso na medida para as redes sociais.
À imprensa caberá, mais do que nunca, o exercício da vigilância e da busca da verdade dos fatos. Como consequência, continuará ser xingada, por certos elementos, de “lixo” e coisas piores. Porém, esses ataques serão o melhor selo de garantia atestando que o jornalismo não se transformou em armazém de secos e molhados.
O jornalismo não é oposição, mas como empresas, mesmo que classificadas de comunicação não deixam de ser empresas, têm posição. Fazem parte do mercado e sobrevivem da venda de espaços publicitários e de quem pagar para que o jornal defenda (de forma explícita ou implícita, como é comum acontecer) determinada posição política, moral, econômica. Pelo poder que têm de formar opinião, de estabelecer tendências, os jornais detêm uma força incrível de penetração nas mentes dos que o leem. As novas Tecnologias de Informação e Comunicação são ferramentas que amplificam e asseguram esse poder dos jornais. O jornalismo, que deveria informar de forma isenta e imparcial, não consegue fazer isso, pois está submetido a determinada linha editorial. As manchetes são escritas não só para incentivar o leitor a ir ao texto e aprofundar-se do assunto. As manchetes já trazem em si um juízo de valor, uma forma de pensar que muitas vezes são contraditas pelo conteúdo da matéria. No final, fica a mensagem que as manchetes em letras garrafais transmitem. Por isso, merecem todo apoio o trabalho de jornalistas que se insurgem ante esta prática e buscam fazer um jornalismo reflexivo e crítico e, neste sentido, jornalismo é sim e sempre será oposição.
A linha editorial do jornal não impede de informar de forma isenta.