Reprodução do artigo publicado no O POVO, editoria de Opinião, edição de 25/4/2019.
A imprensa e a liberdade para errar
“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto.” (Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal.)
No ano de 1964 J.B. Sullivan, comissário do Departamento de Polícia em Montgomery (Alabama), derrotou o New York Times no tribunal estadual, que foi condenado a pagar-lhe indenização de 500 mil dólares. O policial recorrera à Justiça pelo fato de o jornal ter publicado um anúncio publicitário (assinado por uma associação de defesa dos afro-americanos), acusando a polícia de agir arbitrariamente, provocando uma “onda de terror sem precedentes” contra defensores dos direitos civis.
Sullivam apontou erros factuais no anúncio, e o tribunal do Alabama entendeu que a Primeira Emenda da Constituição não protegia publicações difamatórias. O caso chegou à Suprema Corte. A questão era saber se, devido aos erros factuais e à suposta difamação, a publicação perderia a proteção constitucional.
Em seu voto, o relator do processo William Brennan, escreveu que erros são inevitáveis e exigir o “teste da verdade” teria o efeito paralisante da autocensura. Pelo raciocínio do juiz, mesmo aqueles que têm certeza do que escrevem poderiam ter medo de não prová-lo em juízo, ficando sujeitos a pagar indenizações milionárias, sufocando a liberdade de expressão.
Assim, anotou Brennan, em assuntos públicos, eventuais erros não devem impedir o debate “livre, robusto e aberto”. Quanto ao conteúdo difamatório, a Corte indicou que também está protegido constitucionalmente, quando o debate for de interesse público. Assim, agentes públicos e o governo têm de suportar eventuais ataques veementes, cáusticos e desagradáveis.
Em resumo, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que, em uma discussão livre, de interesse público, estão protegidos pela Primeira Emenda – além de possíveis erros factuais – também o conteúdo difamatório.
Lembrei do caso ao ler a declaração de Dias Toffoli, citada acima. Conto melhor o episódio artigo O direito de difamar, escrito quando o julgamento completou 50 anos.
Plínio, não acho que os Estados Unidos sejam exemplo para nada, e esse é, a meu ver, mais um caso. Sem querer defender a atitude errada do Toffoli, censura nunca, mas defender o “direito” de difamar alguém é esticar muito a baladeira. A tal primeira emenda, tão decantada, não é da nossa constituição e não pode, portanto, ser invocada por aqui. Liberdade de expressão sempre, mas liberdade também de quem se sentiu ofendido recorrer a qualquer meio que julgar necessário para reparar o que julga ser uma calúnia, injúria etc. Lembremos que é a tal primeira emenda que ampara as passeatas de supremacistas brancos e da Ku Klux Klan com cartazes pregando toda sorte de absurdos contra negros e outras minorias. Alguém deve ter o direito, em nome da liberdade de expressão, de sair na rua com um cartaz pregando morte a negros, imigrantes, judeus? ou, uma vez exercido esse direito, deve enfrentar as consequências do ato e ser preso por incentivar crimes? Lembro que na Alemanha é proibido negar o holocausto, mas é garantida a plena liberdade de expressão. Recentemente uma senhora foi presa por publicar um livro negando o holocausto. Ela exerceu o direito de manifestar-se e respondeu depois pelas consequências.
Olá, Luciano, agradeço pelos seus comentários, são pertinentes. Por isso esse debate é bom. Existem argumentos fortes de ambos os lados. A propósito: defendo que o limite à liberdadecde de expressão é quando põe em risco a integridade física ou a vida de alguém. O exemplo clássico é: “A ninguém é dado o direito de gritar ‘fogo’ em um teatro lotado”.