Reprodução do artigo publicado na edição de 26/3/2015, do O POVO.
Esbanjando o dinheiro alheio
Plínio Bortolotti
O fato de o ex-ministro da Educação, Cid Gomes, ter-se hospedado na casa que funciona como “coordenadoria de representação” do Ceará em Brasília, revela mais do que o mau hábito Ferreira Gomes em transitar distraidamente entre o público e o privado.
O fato de o governo cearense manter casa em Brasília (desde 2011), ao custo de R$ 19 mil por mês, R$ 228 mil por ano (somente o aluguel), já deveria, por si só, configurar escândalo. Se fosse necessária estrutura em Brasília, porque não um escritório modesto, em prédio comercial?
Afinal, o suado dinheiro do contribuinte deveria ser gasto com parcimônia, não? Mas, vejam, como pouco valor dão nossas “autoridades” ao sacrifício de quem tem de, com o bíblico “suor do rosto”, ganhar o pão de cada dia.
Deputados federais, os que moram fora de Brasília, têm direito a “apartamento funcional” de 200 m², equipados até com banheira de hidromassagem. Recentemente os imóveis foram reformados ao custo de R$ 650 mil, cada um (total: R$ 280 milhões) – o seu, o meu, o nosso dinheiro. (Apartamentos faraônicos também deveriam ser motivo de escândalo.)
Mas como mordomia pouca é bobagem, alguns ex-deputados, relutam em sair dos confortáveis apês, mesmo tendo sido apeados do poder pelos eleitores. Tem para quase todos: SDD, PT, PV, DEM, PP, PSD, PMDB.
No próximo domingo, na coluna “Menu Político” (caderno “People”), faço resenha do livro “Um país sem excelências e mordomias”, de Claudia Wallin, em que ela comenta a vida espartana dos políticos da Suécia. Os apartamentos funcionais deles tem, em média, 45 m², os menores 17 m². Se deputado levar a mulher ou marido para morar junto, o valor equivalente à metade do aluguel tem de ser pago pelo o cônjuge.
Mas, afinal, o que temos a ver com países pobres, que não podem propiciar uma vida digna às suas excelências, não é mesmo?
PS. Matéria sobre a casa do Ceará em Brasília, no O POVO; deputados que relutam em desocupar apartamentos, na Folha de S. Paulo.
É preciso aceitar os sacrifícios que se avizinham”, murmura para si próprio um sueco no momento revelador em que a sua real vocação para a carreira política se manifesta como um desejo irrefreável. ”Serão abomináveis os desafios”, alerta um forasteiro: os cintos apertados como os da amorfa massa do povo, a ausência de alegres comitivas de inúteis, os apartamentos funcionais que lembram quartos de hotéis de duas estrelas, a falta que hão de fazer os batalhões de assessores e parasitas. Quando tal provação parecer insuportável, será prudente invocar Mímir, o deus venerado pelos vikings por sua sabedoria infinita e pela cabeça que, mesmo decepada pelos inimigos, continua a pensar.
A Suécia não oferece luxo aos seus políticos: nesta sociedade essencialmente igualitária, a classe política não tem o status de uma elite bajulada e nem os privilégios de uma nobreza encastelada no poder. Sem direito a imunidade, políticos suecos podem ser processados e condenados como qualquer cidadão. Sem carros oficiais e motoristas particulares, deputados se acotovelam em ônibus e trens, como a maioria dos cidadãos que representam.
Sem salários vitalícios, não ganham a merecida aposentadoria após alguns poucos anos de trabalho pelo bem do povo. Sem secretária particular na porta, banheiro privativo ou copa com cafezinho, os gabinetes parlamentares são espartanos e diminutos como a sala de um funcionário de repartição pública. Sem verbas indenizatórias para alugar escritório nas bases eleitorais, deputados suecos usam a própria casa, a sede local do partido ou a biblioteca pública para trabalhar quando estão em suas regiões de origem.
”Está bom, mas pode ficar melhor”, resmunga o motorista de táxi que me leva do aeroporto de Arlanda ao centro de Estocolmo, a capital sueca. Ele reclama indignado, como tantos outros, do valor do salário líquido de um deputado do Parlamento sueco: horror dos horrores, é cerca de 50 por cento a mais do que ganha em média um professor primário no país. Um privilégio indefensável, que na lógica do motorista deveria estar em processo acelerado de extinção.
Não é preciso consultar a cabeça de Mímir para deduzir que este é um povo que sabe quem é o patrão.
”Sou eu que pago os políticos”, resumiu o cidadão sueco Joakim Holm, durante entrevista gravada em uma rua de Estocolmo para reportagem do Jornal da Band. ”Não vejo razão alguma para dar a eles uma vida de luxo”.
”Os políticos são eleitos para trabalhar para mim e para todos os outros cidadãos que pagam impostos. Aqui ninguém acha que os políticos são uma classe superior com direito a privilégios”, disse outro entrevistado,
Caro Carlos,
Agradeço por expor alguns trechos do livro “Um país sem excelências e mordomias”, de Claudia Wallin, comentando-os com pertinência. No domingo (29/3/2015), na coluna “Menu Político”, no caderno “People” do O POVO volto a tratar do assunto.
Com atenção,
Plínio
Julgando pelo texto, não é a esquerda ou a direita que coíbe benesses aos políticos na Escandinávia. É o povo, participando de modo ativo da política e adotando uma postura soberana em relação a classe política. De modo inverso, quando o povo prefere virar latas e maldizer a si mesmo, certos de que nunca dará certo aqui, é improvável que alcance qualquer coisa.