112575Maria, pela fé, teve a coragem de confiar no Deus do impossível e deixar a ele a solução dos seus problemas: a sua fé era fé pura. Foi uma descoberta extremamente consoladora esta que eu fiz, num ambiente estupendo como é o deserto e… que deserto!

Carlo Carreto.

[Maria, a mulher que acreditou. 6ª. ed. São Paulo: Paulus, 1980, p. 18]

Carlo Carretto (1910-1988), nascido na Itália, foi um escritor que, aos 44 anos, se uniu à fraternidade dos Irmãozinhos do Padre de Foucauld. Deslocou-se para Hoggar, no deserto, passando a viver entre os tuaregues.

Esse autor escreveu um livro  que eu não hesitaria em qualificar como um dos mais belos exemplares da vasta bibliografia mariana. Nele, Carlo Carretto fala de Maria da perspectiva do deserto. O tema me toca muito de perto porque eu também vivi durante não poucos anos o meu deserto. E, com o autor, posso afirmar sem vacilar: que deserto!

O deserto de que aqui se fala trata-se do deserto da fé, tão bem retratado por São João da Cruz sob a metáfora do que ele denomina “a noite escura da alma” . Carretto, inclusive, no início do livro, se refere ao amparo que buscou nos escritos de São João da Cruz durante sua travessia do deserto da fé. Não contente, porém, em ter experimentado o deserto de forma metafórica, foi conhecê-lo e experimentá-lo in loco.

No livro “Maria, a mulher que acreditou”,  Carlo Carreto fala de Maria a partir da experiência que ele teve no deserto, traçando um paralelo entre a Virgem e aqueles que se aventuram pelos meandros obscuros e tateantes da fé. Em vários momentos o autor assume o relato na primeira pessoa, como se fosse Maria que falasse.

Um dos mais belos momentos do livro é aquele em que o autor, escrevendo na primeira pessoa, fala da angústia de Maria diante do anúncio de que seria a Mãe do Salvador. Diz o autor, falando pela boca de Maria:

“Quando o anjo me apareceu para me anunciar a maternidade, eu ainda estava na casa da minha família. Eu tinha sido prometida a José, mas ainda não fora morar com ele. Bastaram poucos meses para que tudo ficasse complicado aos olhos dos homens. Eu não podia esconder a minha maternidade e o meu ventre me denunciava. Compreendi então o que significa a fé obscura, dolorosa” (p. 23).

Mais adiante, Maria narra o belo desfecho, quando o anjo aparece a José em sonho, tranquilizando-o: “Mas é mesmo verdade: ‘Deus tudo pode’. E ele se encarregou de explicar tudo. Explicou primeiro a José, que me disse ter tido um sonho realmente extraordinário, que me garantiu não haver perdido a confiança em mim e que prometeu casar-se comigo assim mesmo. Que alegria senti quando ele me disse isto! Antes de ele falar comigo, porém, que medo experimentei! Que escuridão! Sim, o episódio me mostrara que a fé é dessa natureza, e que precisamos habituar-nos a viver na escuridão” (p. 24).  

Na perspectiva assumida pelo autor, Maria é o protótipo, na verdade um verdadeiro arquétipo cristão, da fé que, por sua obscuridade, encontra amparo única e exclusivamente na confiança nos poderes de Deus. É exatamente por entender, e, mais que isso, sentir profundamente o que é atravessar o fastidioso deserto da fé, que Carlo Carreto possui a convicção necessária para afirmar o que, mais que uma conclusão (embora as palavras estejam postas no início do livro),  pode ser considerado uma promessa feita a quantos o lêem:

“Agora, sinto-me irmão de todos os que se dizem ateus (e são poucos), e mais ainda daqueles (e são muitos) que sentem dificuldade de crer e não conhecem até agora os verdadeiros termos do problema. Quando eu morrer – e espero que isto aconteça dentro em breve, porque conheci o Senhor e anseio por ver a sua face -, se vocês vierem até o meu túmulo, e se pensarem que seja possível a comunicação entre os membros do reino, não me peçam que interceda por vocês para que fiquem curados deste ou daquele mal. Peçam apenas que eu reze pela sua fé. É o único dom que merece ser pedido. Pois bem, se eu puder fazê-lo, fá-lo-ei: olharei para os olhos de Maria de Nazaré em silêncio e procurarei alcançar, pela contemplação daquela que teve tanta coragem para crer, tudo o que meus irmãos estiverem precisando” (p. 15).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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