36341No Renascimento as imagens da Mãe Santíssima alcançaram o seu maior esplendor, devido às magníficas esculturas e pinturas de gênios, como Miguelângelo, Leonardo da Vinci, Rafael, Ticiano e outros grandes artistas que retrataram diversos episódios da vida de Maria. A arte renascentista atingira o seu apogeu na Europa, quando os portugueses descobriram o Brasil. Várias efígies da Mãe de Deus inspiradas ou copiadas das obras de seus mestres chegaram ao nosso país trazidas por marinheiros ou colonizadores lusitanos, que espalharam o culto das invocações em moda ou das padroeiras de suas províncias ou cidades natais. Além da Senhora da Esperança que veio na nau de Pedro Álvares Cabral e da Senhora da Glória, que consta ter chegado à Terra de Santa Cruz em 1503, muitas outras como as do Ó, do Monte, da  Luz, da Graça, da Escada, ornamentaram os altares dos mais antigos templos coloniais.

Nilza Botelho Megale

[MEGALE, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil: História – Iconografia – Folclore. Ilustrações de Eduardo Paez. 3ª. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 17.] 

A historiadora, museóloga e folclorista Nilza Botelho Megale teve despertado o interesse pelas invocações marianas no Brasil a partir de 1967, quando começou a lecionar a cadeira de Folclore no Conservatório Musical de Poços de Caldas. Ali ela começou a ter contato com um grande número de lendas acerca das diversas invocações à Virgem Maria. Decidiu escrever sobre o assunto no Diário de Poços de Caldas. Com a publicação dos artigos, leitores e irmandades de diversos lugares começaram a lhe enviar notícias de jornais, livros e folhetos sobre o assunto. Como se avolumasse cada vez mais o número de informações obtidas, a museóloga decidiu publicar um livro sobre o tema.  

No livro Invocações da Virgem Maria no Brasil, publicado pela Editora Vozes, são apresentados 123 títulos de Nossa Senhora. A autora divide as invocações à Virgem Maria em três categorias, conforme a origem: Litúrgica, Histórica e Popular. As de origem Litúrgica seriam aquelas instituídas pela própria Igreja, estando, portanto, relacionadas à própria liturgia, como por exemplo: Conceição, Guia, Assunção etc. As de origem histórica seriam aquelas que foram sendo criadas ao longo da história do cristianismo, em geral associadas a um determinado lugar no qual teve início o culto: Caravvagio, Guadalupe, Lourdes, Fátima etc. Por fim, as de origem popular seriam aquelas cujas denominações foram sendo atribuídas à Virgem espontaneamente pelos devotos: Carpição, Boa Viagem, Bom Parto etc. Embora considere essa classificação para as invocações, Nilze Botelho preferiu apresentar a sequência de invocações em ordem alfabética.

Para quem gosta de mariologia, a leitura de Invocações à Virgem Maria é uma delícia. Nele o leitor tem contato com informações que mesclam história, lenda e crenças populares. Outro aspecto que merece ser destacado é fato de se dedicar especificamente às diversas invocações praticadas em nosso país.   

Escolhemos para citar neste texto o que a autora escreveu a propósito de uma das invocações que sobressai pelos aspectos peculiares associados à respectiva devoção. Trata-se da Virgem do Leite. Quanto à origem dessa devoção, escreve a autora: A devoção à Virgem do Leite parece ter tido início na Palestina, onde Jesus Cristo passou a sua vida terrena até morrer numa cruz para salvar a humanidade. Perto de Belém, onde Ele nasceu, encontra-se uma gruta muito venerada pelo povo do lugar e visitada por inúmeros devotos e turistas, dentro da qual se pode ver uma pedra muito alva, já gasta de tanto ter sido raspada. As mães que estão amamentando usam o pó desta rocha misturado com água, para aumentar o seu leite ou para conservá-lo enquanto suas crianças necessitam de alimentação materna. Diz a tradição que, quando a Sagrada Família se retirou para o Egito, parou junto à lapa para descansar. Maria aproveitou então para amamentar seu Divino Filho e um pouco de leite espirrou sobre a pedra, que se tornou toda branca. Daí a origem da devoção popular (p. 254).

Mais peculiar que a origem da devoção é uma lenda que foi a ela incorporada

Gruta do leite em Belém

Gruta do leite em Belém

em terras brasileiras: O tema da amamentação de Jesus aparece também no lendário brasileiro. Contam que Nossa Senhora estava à beira-mar, cansada sob o sol causticante de verão, e precisava voltar para o seu rancho, onde o Menino Deus a esperava para mamar. Como ela não sabia as horas e com certeza Ele estava chorando de fome, perguntou a um linguado, que se aproximava da terra para fazer a sesta: “Linguado, podes me dizer que horas são?” O peixinho, aborrecido por ela vir perturbar a sua digestão, cheio de maldade arremedou-a entortando a boca. A Virgem, então, diante daquela ruindade, amaldiçoou-o dizendo que ficasse como estava ao imitá-la. E desde aquela ocasião o linguado ficou com a boca torta… (p.255).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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