Convertera a si mesmo num personagem. Por frequentar demais os livros, aquele homem chegara ao ponto de não distinguir mais entre a ficção e a realidade. Um Dom Quixote pós-moderno? Talvez. O fato é que vivia como se a vida fosse um grande livro e ele, o personagem.

Queria mesmo era ser um iniciado nos grandes mistérios. Como tudo começou? Não sabia, ao certo. Lembrava que, ainda adolescente, quando residente na pequena Palmyra, caíra-lhe às mãos uma revista que falava de figuras misteriosas que varavam as madrugadas em busca do elixir da longa vida e da revelação dos grandes mistérios do universo. Naquela época adquirira o hábito de deitar cedo e levantar às duas horas da madrugada. Deleitava-se com a leitura daquela revista que, depois de insistentes cobranças, teve que devolver à proprietária, uma colega de escola.

Naquelas páginas teve contato com vidas que, então, passaram a povoar o seu imaginário adolescente: o Conde Cagliostro, Saint Germain, Nostradamus, Helena Petrovna Blavatsky, Nostradamus e Paracelso.

Lia, embevecido, a história da composição das Centúrias de Nostradamus. A revista narrava o modo como, à meia-noite, Nostradamus se recolhia a um aposento ao qual somente ele tinha acesso. Cerrava a porta, enchia com água uma bacia, punha-lhe ao lado uma vela acesa e concentrava-se enquanto aguardava que, no momento certo, as imagens começaassem a se formar na bacia. O que via refletido naquela água o bruxo Nostradamus? Via imagens do futuro, coisas que ainda estavam por vir, acontecimentos distantes da história nem de longe imaginados pelos homens de então. À medida que iam se formando as imagens na água, Nostradamus as notava em forma de centúrias. A linguagem tinha que ser cifrada, para que os profanos não tivessem acesso tão imediato a fatos tão sérios descritos pela pena de Nostradamus. Afirmam alguns estudiosos de suas enigmáticas centúrias que ele teria previsto a ascensão e queda de monarcas, nações e papas; teria, inclusive, antevisto, com quase quatro séculos de antecedência – pois o vidente francês vivera entre 1503 e 1566 -, a ascensão de Hitler ao poder e a consequente II Guerra Mundial.    

Uma outra figura que o fascinava e foi objeto de muitas fantasias durante sua adolescência foi o Conde Cagliostro. Apesar de ter vivido apenas cinquenta e dois  anos, o Conde Cagliostro (1743-1795)  tornou-se um fascínio para aquele adolescente que, nas madrugadas silenciosas de Terra Roxa, vencia o sono para estar na companhia deste que é considerado um dos maiores ocultistas de todos os tempos, embora não se possa negar que tenha beirado o charlatanismo ao usar o pretenso saber oculto para amealhar as benesses e proteção dos poderosos.

Foi ao ler a biografia do Conde que aquele adolescente viu pela primeira vez estampadas nas páginas de uma publicação a palavra Alquimia. Uma palavra mágica, cheia de possibilidades, que abriu para ele um mundo totalmente desconhecido, o mundo dos alquimistas, homens que eram um misto de cientistas, filósofos, visionários, magos e, especialmente, dotados de grandes ambições. Eles almejavam nada menos que transmutar metais em ouro, e movidos por esse afã muitos empenharam sua vida inteira.

Cagliostro, no entanto, embora tenha sido também alquimista, não foi o mais importante entre os versados na arte de transmutar a vil matéria em ouro. Cagliostro foi, antes de tudo, um grande curioso, viajante incansável que, tendo por berço Parma, na Itália, percorreria depois o Egito, a Grécia, a Pérsia, a Etiópia e, também, um país que, alguns anos depois, se tornaria um dos grandes anelos daquele adolescente que, então, dava os primeiros passos na descoberta do saber esotérico: a maravilhosa e mística Índia.

Mas, voltando à alquimia, o grande alquimista da história não foi o Conde Cagliostro. O homem que assentaria realmente as bases da alquimia, estabelecendo-lhe os métodos e técnicas que permitiriam a consecução do almejado sonho de transmutar os metais em ouro, se tornaria conhecido séculos afora pelo nome de Paracelso. Ao lado de Nostradamus e do Conde Cagliostro, Paracelso foi a terceira figura a compor a galeria das figuras misteriosas que começavam a povoar o imaginário do jovem neófito.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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