Deveria falar dos primórdios da Iniciação aos Grandes Mistérios, ao travar o primeiro contato direto com a Alquimia. Antes, porém, seria necessário falar do interlúdio que se dera a meio caminho entre Palmyra e Tagaste. Encontraria ainda grandes e renomados sábios, além de alguns outros não tão renomados, porém de não menos sabedoria. Sim, porque se não sabeis, há Mestres que se dão a conhecer tanto quanto há outros que comunicam seu saber de forma absolutamente anônima, por via totalmente intuitiva.

Da existência desses últimos poucos tomam consciência, uma vez que a iniciativa do contato depende exclusivamente dos Sábios. Uma vez agraciado pelo contato, porém, prepare-se o eleito para um caminho de grandes aventuras pelos meandros das mais surpreendentes revelações. Deu-se assim com aquele homem quando se deslocava de Palmyra para Tagaste.

Enquanto caminhava cabisbaixo e a sós pela poeirenta estrada que o conduzia de Palmyra a Tagaste, onde encontraria os dois grandes Sábios que, há muito, ansiava conhecer, teve suas ruminações interrompidas pelo toque leve e suave de uma mão em seu  ombro esquerdo. Rápido, virou-se para o lado, deparando-se com o olhar tão penetrante quanto simpático de um homem de estatura pouco mais alta que a sua. A figura pareceu-lhe familiar, embora, de imediato, não recordasse de onde o conhecia, nem, tampouco, parecesse capaz de recordar-lhe o nome.

“Certamente recordarás que já nos conhecemos”, disse-lhe aquele, “embora há tempos não nos vejamos. Tivemos longos e calorosos diálogos há alguns anos, quando de uma de tuas incursões literárias entre os eremitas do deserto. Numa dessas incursões assomei à tua porta de forma imprevista e intempestiva. A maneira como apareci em tua vida, porém, foi suficiente para te causar espécie, deixando-te por longos meses enamorado dos meus ensinamentos, que haurias a cada dia com a ânsia de uma criança faminta que sorve as últimas gotas de leite dos seios maternos”.

Um estalo de dedos foi suficiente para que tudo voltasse à sua mente, e aquele homem recordasse de imediato de quem se tratava. Aquela forma peculiar de estalar os dedos quando expunha seus ensinamentos bastou para que todo um passado de sete meses de intenso aprendizado lhe retornasse à mente. Abraçou o antigo Mestre com intensa emoção. Uma indizível expressão de alegria estampou-se-lhe no rosto. O velho e sábio Pastor, com quem tanto aprendera não muitos anos antes, estava de volta, de forma tão inesperada quanto aquela em que pela primeira vez o vira aparecer à cabeceira de sua cama numa fria noite de inverto, enquanto dormitava.

“Aqueles a cujos pés anseias por  te assentares aguardam-te em Palmyra”, prosseguiu. “Não tardará muito para que estejas entre eles, ouvindo as maravilhas que têm para transmitir à tua mente ávida por  penetrar os grandes mistérios. Antes, porém, faz-se necessário que estejas comigo ainda por alguns dias. Teremos, por isso, algumas pequenas paradas antes de chegarmos a Palmyra. Sabes que daqui até lá teremos que percorrer um caminho que nos demandará sete dias de caminhada. Sei que a minha companhia é muito de teu agrado, pois disso deste prova quando nos encontramos há alguns anos. Assim, fruamos mais uma vez essa oportunidade que nos é dada de estar juntos e dialogarmos sobre assuntos de nosso comum interesse. De minha parte, penso que há ainda alguns ensinamentos que merecem ser repassados a ti, uma vez que na última ocasião em que nos encontramos não estavas ainda suficientemente maduro para algumas nuances dum saber de tamanha sutileza”.

Naquele final de tarde, enquanto o sol se punha por trás das montanhas não muito distantes, seguiam, ele e o Pastor de Hermas, tocando o chão com passos tão delicados, que a impressão que qualquer transeunte teria se os visse naquele momento seria que flutuavam, como se a terra fosse apenas suavemente tocada por seus pés.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles