Cuidem os irmãos para não se mostrar exteriormente sombrios e tristes hipócritas; mas mostrem-se alegres no Senhor, sorridentes, agradáveis e convenientemente simpáticos.

São Francisco de Assis

[Escritos de São Francisco de Assis. Organização e tradução de Frei Celso Márcio Teixeira OFM. – Petrópolis, RJ: Vozes; Brasília: DF, FFB, 2009, p. 98.]

Uma das figuras mais apaixonantes de toda a história do cristianismo e, quiçá, da história da humanidade, é, seguramente, São Francisco de Assis. Durante os meus primeiros dezoito anos de vida contei com a presença diária desse santo em minha vida, pois a casa de meus pais, em Massapê, fica situada na praça que leva seu nome, a qual, por sua vez, fica defronte à igreja da qual ele é o padroeiro. Posso dizer que ficaram impressas de forma indelével em minha memória duas imagens religiosas muito fortes: uma, a imagem de São Francisco com seu manto e capuz marrom; outra, a imagem de Nossa Senhora de Lourdes, devidamente entronizada numa gruta de pedra construída ao lado da igreja, encimada pela inscrição Eu sou a Imaculada Conceição, tendo aos seus pés, de joelhos, a pequena Bernadete Soubirous.

Provavelmente devido à visão quase diária dessas imagens, mas não só por isso, muito cedo me acostumei a prestar especial reverência tanto à Virgem Maria quanto a São Francisco. Sempre relembro com saudade o período das novenas, iniciadas no final de setembro e concluídas com a procissão no dia 4 de outubro, como ainda hoje acontece, embora não mais, parece-me, com o mesmo fervor com que aconteciam anos atrás.

Tudo na história de Francisco constitui motivo para fazer dele uma figura apaixonante, mas gostaria de destacar hoje um aspecto de sua personalidade nem sempre lembrado, qual seja, a alegria. Salienta-se muito entre as características desse santo a humildade e o seu extremo amor à pobreza. São, sem dúvida, aspectos da sua personalidade que merecem ser enaltecidos. Não deveríamos nunca olvidar, porém, de elencar como outra característica igualmente de sua personalidade a alegria.

São Francisco de Assis foi, sobretudo, um místico, um grande místico. Os estigmas, assim como outras manifestações sobejamente relatadas pelos seus biógrafos desde a Idade Média, não deixam dúvidas. Mas, diferentemente de outros místicos, como, por exemplo, Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz, o Pobrezinho de Assis não escreveu grandes tratados espirituais. Os poucos escritos que nos legou, porém, são de uma riqueza e beleza inigualáveis.

Tais escritos deixam transparecer um homem que exultava de alegria ao falar das maravilhas de Deus, cuja manifestação se dá nas criaturas. No seu conhecido Bilhete a Frei Leão, que começa com os Louvores a Deus Altíssimo e termina com a Bênção, enalteceu a alegria como uma das prerrogativas de Deus: (…) Vós sois amor, caridade; Vós sois sabedoria, Vós sois humildade, Vós sois paciência, Vós sois beleza, Vós sois mansidão, Vós sois segurança, Vós sois quietude, Vós sois regozijo, Vós sois nossa esperança e alegria, Vós sois justiça, Vós sois temperança, Vós sois toda nossa riqueza até à saciedade (…) (p. 48).

Apesar do corpo fragilizado por uma extrema ascese, o que acabaria por debilitar-lhe a saúde, São Francisco encontrou em todos os momentos da vida ocasiões para manifestar a alegria, aquela total alegria somente acessível aos que, pela graça, se fizeram um com o Criador e, por via de consequência, com todas as criaturas. Por isso se pode afirmar que a mística de São Francisco é a mística da alegria.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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