Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz.

Santo Agostinho

[Santo Agostinho. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. – São Paulo: Paulus, 1997, p. 299. – (Patrística; 10)]

São Nicolau de Tolentino

São Nicolau de Tolentino

Ontem a Igreja Católica comemorou a festa de São Nicolau de Tolentino. De um modo geral, a vida dos santos está repleta de prodígios, nem sempre verídicos, pois se sabe que a tradição popular encarrega-se, com o passar dos anos, de florear a história destes heróis do cristianismo. São Nicolau, no entanto, nascido em 1245 e falecido em 1305, destaca-se pelo volume de milagres que lhe foram atribuídos quando de seu processo de canonização, que totalizaram nada menos que 301 devidamente confirmados e autenticados, entre os quais se destacam a ressurreição da menina de 12 anos, Filipina de Fermo.

São Nicolau de Tolentino nasceu em Castel Sant’Angelo, em Pantano, na diocese de Fermo. Aos 12 anos foi acolhido como oblato entre os agostinianos de sua vila natal, sendo ordenado sacerdote em Cingoli. Mais tarde fixou-se em Tolentino, fato que conferiu renome a essa cidade. O santo, como agostiniano, foi um grande devoto de Santo Agostinho, e é este o motivo que me levou a me referir a ele neste texto. A sua morte é um dos mais belos e edificantes episódios entre os muitos narrados por seus biógrafos. Relata-se que ao constatar a grande alegria e felicidade que se lhe estampavam na face nos seus últimos momentos de vida, um dos seus confrades teria indagado sobre o motivo para tanta alegria, ao que teria respondido o Santo: Eu vejo o Senhor meu Deus, junto com sua Santíssima Mãe e meu pai, Santo Agostinho.

Alguns leitores que me têm acompanhado neste blog sabem que tenho especial interesse pelos escritos de Santo Agostinho, tendo dedicado já alguns textos ao fundador da Patrística. Minha iniciação ao pensamento desse Santo se deu, como tem ocorrido com muita gente, com a leitura das Confissões, sua autobiografia. Na ocasião, quando ainda estudante universitário, senti-me profundamente perturbado pelas reflexões e relatos do Santo. Aquela leitura, seguramente, operou em mim algumas mudanças.

Um dos aspectos do pensamento de Santo Agostinho que mais me atrai é a

Santo Agostinho

Santo Agostinho

importância por ele atribuída à vida interior como lugar de manifestação de Deus. Na perspectiva agostiniana, é na intimidade do indivíduo que se fazem sentir ou, mais que isso, de onde brotam, o amor e a misericórdia divinos. Conclui-se, portanto, que Deus deve ser buscado, primordialmente, dentro, e não fora do indivíduo. Uma das frases mais conhecidas e mais citadas de Santo Agostinho confirma essa premissa, quando diz: Deus é mais íntimo a nós do que nós mesmos.

Os textos de Santo Agostinho nos convidam à experiência de Deus muito mais que à compreensão de Deus. Pois de que adianta compreendê-lO se não O encontramos? Eu arriscaria dizer que o encontro levará, por fim, à compreensão, não sendo verdade, porém, o inverso. Do ponto de vista de Agostinho, importa antes encontrá-lO que compreendê-lO, mesmo que uma coisa não implique, necessariamente, na outra. É o que se infere da exortação feita nas Confissões:

Que exulte e prefira encontrar-te, não te compreendendo, a não te encontrar, compreendendo (p. 27).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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