Nenhum Brasil ExisteDe um poema de Carlos Drummond de Andrade veio a inspiração para este volume. O poema, intitulado “Hino nacional”, encena a reconstrução de diversos esforços de constituição simbólica do país. Nos seus versos finais, entretanto, eis que o próprio “Brasil” surge e, como uma impossível coisa-em-si kantiana, resiste a todas as tentativas de aprender sua essência: “O Brasil não nos quer! Está farto de nós!/ Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil./ Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?”  

João Cezar de Castro Rocha

[Rocha, João Cezar de Castro (org.). Com a colaboração de Valdei Lopes de Araujo. Nenhum Brasil Existe: Pequena Enciclopédia. Rio de Janeiro: Topbooks; UniverCidade Editora, 2003, p. 17].

Tendo ido à UNIFOR com Indira, enquanto aguardava que ela entregasse os documentos para sua matrícula, resolvi entrar na livraria Livro Técnico que fica no Campus. Examinando aleatoriamente as prateleiras, me deparei com um grosso volume cujo título me despertou a atenção. Peguei-o e me pus a folheá-lo. Não precisou muito para que eu decidisse, no ato, adquiri-lo. Dirige-me ao balconista e indaguei o preço. No momento em que efetuava a compra, entrou no recinto o conhecido livreiro Gabriel. O rapaz que me atendia olhou para o Gabriel e, erguendo o livro, falou: “Gabriel, foi vendido”. Gabriel, por sua vez, respondeu: “Eu não disse?” Ato contínuo, se dirigiu a mim com estas palavras: “Rapaz, você acaba de fazer uma excelente aquisição. Fazia tempo que este livro estava aí e, para minha surpresa, ninguém se decidia a comprá-lo. Mas eu falei, deixa ele aí mais algum tempo que vai ser vendido. Olha, foi um dos melhores livros que li nos últimos tempos”.

Com uma garantia daquela, vinda do Gabriel, mesmo que ainda não tivesse me decidido pela compra, eu não teria mais dúvidas quanto à conveniência de adquiri-lo. Como bônus, tive ainda o privilégio de, devido à situação motivada pela compra do livro, conversar por quase uma hora com o Gabriel – figura que há muito foi incorporada ao patrimônio cultural cearense -, em que falamos de livros, religião e gatos (um interesse comum, que adquiri devido ao amor devotado por Indira aos bichanos), quando o livreiro me relatou uma pitoresca situação de sua vida provocada por sua incondicional paixão pelos felinos.   

Quanto ao livro, trata-se de uma obra organizada pelo professor de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, João Cezar de Castro Rocha, intitulado Nenhum Brasil Existe: Pequena Enciclopédia. Apesar, do título, a obra pode ser considerada, sem dúvida, uma grande enciclopédia sobre a nossa brasilidade. A idéia inicial de publicar um volume dedicado à cultura brasileira partiu de Frank F. Sousa, Diretor do Departamento de Português da Universidade de Massachusetts Darthmouth – o segundo departamento exclusivamente de português nos Estados Unidos – e Victor J. Mendes, Editor da revista Portuguese Literary and Cultural Studies.

Lançado inicialmente em inglês, na Biblioteca do Congresso, em Washington, a edição em língua portuguesa foi acrescida de 23 outros textos que não constavam da edição original, perfazendo um total de 89 ensaios disseminados nas 1.107 páginas do alentado volume. É, de fato, uma obra grandiosa, em que são abordados por um gama de autores de reconhecida competência em suas respectivas áreas, aspectos os mais diversos da cultura brasileira. A quem quer que, por interesse ou declarada paixão, como é o meu caso, se disponha a ir fundo na investigação de possíveis explicações para a nossa brasilidade, aquilo que faz  cada um de nós se afirmar brasileiro, Nenhum Brasil Existe: Pequena Enciclopédia se impõe com uma obra cuja leitura não poderá ser dispensada.

Ao reconhecer as lacunas eventualmente existentes na obra, conclui o organizador: “A essa altura, imagino já estar clara a seguinte impossibilidade: no tocante à escrita de histórias literárias e culturais, o resultado será sempre lacunar, pois nunca daremos conta de um Brasil que não existe. Só aqueles que ainda acreditam ser possível atingir a totalidade, isto é, ainda pretendem apreender a essência de um país deixarão de ver em tais lacunas um irrecusável convite à escrita de outros ensaios e à organização de novas coletâneas. Que sejam bem-vindos futuros volumes, pois só nos resta conjurar fantasmas com outros fantasmas, isto é, as histórias da cultura que escrevemos” (p. 31).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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