67388Mais alto no céu do que a imaginação se aventurara a sonhar, emergia o topo do Everest.

George Mallory

[Citado em: Hemmleb, Jochen. Fantasmas do Everest: em busca de Mallory e Irvine. Jochen Hemmleb, Larry A. Johnson, Eric R. Simonson, a expedição que descobriu o corpo de Mallory conforme relatada a William E. Northduft; tradução Cid Kniple Moreira; consultoria editorial Rosita Belinky. – São Paulo: Companhia das Letras, 1999,  p. 49].

Desde que comecei a ler sobre o Himalaia, quatro nomes se tornaram presença constante nos relatos de expedições ao monte Everest: George Mallory, Andrew Irvine, Edmund Hillary e o sherpa Tenzin Norgay. Com o tempo, à medida em que eu amealhava livros sobre a longa e dispendiosa saga da conquista do Everest, aprendi a amar e admirar sempre mais estes homens. Embora eu tenha estado por duas vezes no Himalaia, numa das quais participei de um trekking de sete dias na região do Annapurna, nunca fui montanhista. Na verdade, minha paixão pelas montanhas ancora-se em um outro viés que não o das escaladas. No entanto, em que pese essa afirmação, sou fã incondicional dos conquistadores das grandes altitudes.

Entre tais conquistadores, os nomes de George Mallory e Andrew Irvine se inscrevem de forma quase mítica. Antes do Everest – a montanha mais alta do mundo, situada no Himalaia, com 8.848 metros de altitude -, ser conquistado, os ingleses enviaram três expedições movidos por este objetivo. George Mallory participou de todas três, sendo que, na última, realizada em 1924, desapareceu juntamente com seu companheiro Andrew Irvine quando estavam bem próximos de atingir o topo da montanha.

Desde então, os dois nomes se converteriam numa verdadeira lenda. Seus corpos nunca tinham sido encontrados, até que, em 1999, um jovem idealista e aventureiro, chamado Jochen Hemmleb, resolveu se unir a outros dois

Ao alto: A Expedição Britânica de 1924: fileira de trás, da esq. para a direita: Andrew Irvine, George Mallory, Edward Norton, Noel Odell, John MacDonald. Fileira da frente, da esq. para a direita: Edward Shebbeare, Geofrey Bruce, Howard Somervell, Bentley Beetham. Membros ausentes da fotografia: General Charles Bruce, John Noel, John de Vere Hazard, Richard Hingston. Copyright: John Noel Photographic Collection.

Ao alto: A Expedição Britânica de 1924: fileira de trás, da esq. para a direita: Andrew Irvine, George Mallory, Edward Norton, Noel Odell, John MacDonald. Fileira da frente, da esq. para a direita: Edward Shebbeare, Geofrey Bruce, Howard Somervell, Bentley Beetham. Membros ausentes da fotografia: General Charles Bruce, John Noel, John de Vere Hazard, Richard Hingston. Copyright: John Noel Photographic Collection. Embaixo: A Expedição de Pesquisa Mallory & Irvine em 1999: Em pé, da esq. para a direita: Lee Meyers, Conrad Anker, Andy Politz, Dave Hahn, Thom Pollard, Jake Norton, Tap Richards, Eric Simonson. Agachado: Jochen Hemmleb. Membros ausentes da fotografia: Larry Johnson e Graham Hoyland. Foto de Schelleen Scott.

companheiros dotados das mesmas virtudes, Larry A. Johnson e Eric R. Simonson, e reunir um grupo com um objetivo: escalar o Everest em busca dos corpos dos dois alpinistas desaparecidos em 1924. O livro no qual narram a ousada empreitada, intitulado “Fantasmas do Everest: em busca de Mallory e Irvine”, me chegou às mãos no dia 3 de agosto de 2000, como presente de aniversário de minha mãe, Auxiliadora V. Arruda, com uma dedicatória escrita de próprio punho, motivo pelo qual ele tem para mim um valor todo especial.

A Expedição de Pesquisa Mallory & Irvine, como foi denominado o grupo, chegou a Kathmandu, capital do Nepal, no dia 18 de março de 1999. De lá, seguiram para o Tibete, onde fica uma das rotas de acesso ao Everest. Menos de dois meses depois, no dia 1º de maio, cinco membros do grupo se postam em torno de um corpo identificado a uma altitude de aproximadamente 8.000 metros, vislumbrando-se ao fundo o cume do monte Everest. O fato é assim descrito no livro: 

“O corpo falava por si mesmo. Ali estava um corpo diferente daqueles outros, amassado em gretas em diferentes pontos do terraço. Aquele corpo jazia completamente estendido, de bruços e apontando para cima, congelado em uma posição de auto-recuperação, como se a queda tivesse acontecido apenas alguns momentos antes. A cabeça e a parte superior do tronco estavam congeladas em meio ao cascalho que havia se juntado em volta ao longo das décadas. Mas os braços, ainda poderosamente musculosos, estendiam-se acima da cabeça, terminando em mãos fortes que agarravam a encosta, as pontas dos dedos fletidas e enterradas profundamente no cascalho congelado. As pernas se estiravam ladeira abaixo. Uma delas estava quebrada e a outra havia suavemente se cruzado sobre ela como que para protegê-la. Também nelas a musculatura era ainda perceptível e forte. O corpo inteiro possuía o vigor e a graça de um dançarino. Aquele corpo, aquele homem, havia sido outrora um magnífico exemplar da espécie humana” (p. 127).

A princípio, o grupo pensou ter encontrado o corpo de Irvine. Momentos depois, porém, ao examiná-lo mais detalhadamente, um dos membros do grupo, Jake Norton, ao verificar o colarinho da camisa vestida por aquele corpo inerte, foi surpreendido ao identificar, inscritas na etiqueta de lavanderia, uma inicial maiúscula seguida de um sobrenome: G. Mallory. O desfecho da situação é descrito por outro membro do grupo, Dave Hahn, com as seguintes palavras:

“Talvez fosse a altitude e o fato de que todos havíamos deixado de lado a aparelhagem de oxigênio, mas demorou algum tempo para que caíssemos na real”, diz Hahn. “Finalmente compreendemos: não tínhamos achado Andrew Irvine. Não havíamos reencontrado o ‘morto inglês’ de Wang Hongbao. Estávamos na presença do próprio George Mallory… o homem cuja coragem e motivação admirávamos desde crianças” (p. 129).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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