Você tem em mãos umas das mais apuradas construções do “traje a rigor do pensamento”, usando a feliz expressão do poeta Paulo Bonfim. O soneto exige de quem o cria (e, em certa medida, mesmo de quem o lê) uma certa dosagem de culto, no sentido primordial desta palavra. É algo lógico: a cultura de algum valor pressupõe um culto anterior àquele valor. A primeira só poderá se dar com a presença daquele.
Luciano Maia
[Um livro para a ascese – texto de Luciano Maia, publicado na orelha do livro A rosa de pérola: sonetos preciosos. Luciano Dídimo. 1. ed. – Fortaleza,CE: Instituto Horácio Dídimo, IHD, 2023.]
Semana passada, enquanto me deleitava com a leitura de um belo livro de sonetos, em determinado momento me veio à mente a lembrança do Parque Amantikir, que visitei quando estive em Campos do Jordão. Ocorre que, assim como este parque, o qual é composto por diversos jardins de grande beleza, assim é o livro de sonetos que eu tinha em mãos, “A Rosa de Pérola: sonetos preciosos”. Dividido em 12 partes, ou melhor, doze jardins – No jardim da esperança, No jardim do poeta, No jardim de Maria, No jardim do amor, No jardim da vida, No jardim do sítio, No jardim da semana, No jardim da dor, No jardim da Justiça, No jardim da minha terra, No jardim do soneto e No jardim da saudade -, cada um deles composto por uma determinada quantidade de rosas, o livro é uma metáfora para um imenso parque ao longo do qual o leitor poderá se deliciar e dar asas à imaginação ao se deparar com cada uma das cem rosas disseminadas pelos jardins. Pois é isso que cada um dos cem sonetos que compõem “A Rosa de Pérola: sonetos preciosos” pode ser considerado, uma rosa que é oferecida em cada jardim para deleite do leitor.
O soneto que dá nome à publicação é uma homenagem do autor à sua esposa, Ruth Leite Vieira, em comemoração às suas bodas de pérola, celebradas por meio do lançamento do livro. Saliente-se que o soneto foi classificado na categoria “Destaques” no XXII Prêmio Estadual Ideal Clube de Literatura – 2022, Prêmio José Telles, promovido pelo Ideal Clube e chancelado pela Academia Brasileira de Letras.
A Rosa de Pérola
As pétalas da rosa preciosa / São pérolas que encantam nossa vida, / Riqueza firmemente bem polida, / São joias de beleza esplendorosa.
As pérolas da rosa valiosa / São pétalas da vida oferecida, / Efígie que, na dor, foi esculpida, / Por ostra em resistência impetuosa.
Amor em aliança renovada, / A rosa dessa cor eu ofereço / Em pétalas nascida na jornada.
A rosa desabrocha um recomeço, / Amor envolto em bênção perolada / São pétalas de amor que não tem preço! (p. 62)
Não se pense que escrever sonetos seja tarefa fácil. A propósito, gostaria de destacar um trecho do Prefácio do livro escrito pelo poeta e professor Gilliard Santos, no qual afirma: “Todo sonetista é, por uma questão de lógica, também poeta, mas nem todo poeta pode ser considerado sonetista. É que o processo de confecção de um soneto, para além da beleza poética (que é um elemento fundamental), é também uma arte quase matemática. Cada verso é minuciosamente pensado, arquitetado, cada palavra cada sílaba, cada fonema… Cada som, forte ou fraco, tem o seu lugar milimetricamente projetado… Mas não pense, leitor, que poesia metrificada é o ato de torturar as palavras, de imprensá-las, de sufocá-las… Muito pelo contrário. Cabe ao bom poeta encontrar a palavra adequada, para o verso certo” (p. 5).
É exatamente desta dificuldade de escrever um bom soneto, que prime, a um só tempo, pela concisão e pela clareza de sentido, que surgiu o conhecido dito popular “A emenda saiu pior do que o soneto”. O fato é que alguns pretensos sonetistas, não conseguindo escrever um soneto que transmitisse em poucos versos uma mensagem clara e com sentido, incorriam na vã tentativa de acrescentar algumas palavras, piorando mais ainda o que já não estava lá tão bom.
Não é, nem de longe, o que ocorre com os sonetos apresentados na obra aqui comentada. Todos são de grande beleza, expressando de forma clara e concisa como requer este gênero literário mensagens que enaltecem a vida e a arte de bem viver. Além da grande maioria dos sonetos de “A Rosa de Pérola: sonetos preciosos” serem encabeçados por uma epígrafe, geralmente de origem bíblica, uma característica que confere à publicação um valor especial é o fato do autor explicitar, ao pé da pagina, o estilo de cada um deles. Isso proporciona ao leitor leigo no assunto uma oportunidade para conhecer as diversas formas de escrita desse gênero literário. Outra peculiaridade é o diálogo que o autor estabelece, por meio de sua poesia, com algumas obras de arte, como é o caso do soneto abaixo, em que dialoga com a obra “Abaporu”, de Tarsila do Amaral.
A Esperança
O sol, pupila ardente grandiosa, / Com força, vela o povo brasileiro, / Que sofre, resistente, no espinheiro, / Em sua via-sacra dolorosa.
Há pouca formação no seu celeiro, / Assim se evita a mente revoltosa. / A mão, gigante força numerosa, / Trabalha, conformada, sem dinheiro.
Enormes pés, na terra, enraizados, / Sem boca, sem ouvidos, norte a sul, / Em corpos que parecem deformados.
O intuito é que se tornem desumanos. / Porém, no contemplar do céu azul, / O povo espera o fim dos desenganos! (p. 21).
O autor, Luciano Dídimo Camurça Vieira nasceu em Fortaleza, CE, em 1971. É casado com Ruth Leite Vieira, com quem tem cinco filhos. É servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região. É membro da Ordem dos Carmelitas Descalços Seculares (OCDS – Província São José), a qual presidiu por dois triênios consecutivos. É Presidente do Instituto Horácio Dídimo de Arte, Cultura e Espiritualidade(IHD); membro da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI), a qual presidiu por dois biênios consecutivos; membro fundador e Vice-presidente da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO). É membro da Academia Fortalezense de Letras (AFL), da Academia de Letras dos Municípios Cearenses (ALMECE), dentre outras associações literárias da qual também faz parte. É autor dos livros de poemas “A Rosa da Certeza” (2016), “A Rosa Marrom” (2020), “A Rosa Verde – Soneto de Esperança” (2021), além de diversas coletâneas das quais foi o organizador.
Para concluir, transcrevo um soneto que, tivesse eu o dom de ser sonetista, gostaria de ter escrito:
A Porta
A porta, sempre aberta à minha frente, / Convida-me a sair logo de mim, / Aguarda, paciente, por meu sim / E insiste no convite eternamente.
Na porta estreita, pulsa o amor latente, / E eu vejo verdes pastos… não tem fim / As rosas coloridas no jardim, / Com água rebentando da nascente.
Na minha imperfeição e na pobreza, / Contemplo o pão e o vinho sobre a mesa; / Constato que sou flecha e também alvo.
Ferido, descortina-me a grandeza, / De fato, só me resta uma certeza: / Quem passa pela porta será salvo! (p. 16)
Contatos com Luciano Dídimo: e-mail: ihd@institutohoraciodidimo.org Cel: (85)988955966