Tulku Thondup Rinpoche

O hábito de ver as coisas como positivas ou negativas é criado na mente. A cadeia de emoções da mente – gostar e desgostar, desejar e odiar – produz mais dor ou desejo. O caminho da transformação das nossas reações habituais consiste em ver toda situação com uma atitude positiva e sentir de maneira profunda a energia positiva. Percepção pura significa ver tudo como algo puro, perfeito, tranquilo, jubiloso e iluminado. Na nossa vida cotidiana, podemos ter a impressão de que sucumbimos sob o peso dos problemas. Não obstante, a visão budista é a de que estes, em sua natureza última, são como as ondas na superfície do oceano. Uma tempestade pode agitar as ondas na superfície, mas o oceano, nas profundezas, permanece calmo. Podemos encontrar paz numa experiência difícil e ver algo como positivo, mesmo que isso se mostre incontrolável em sua manifestação, na superfície. Se vemos algo como harmonioso, mesmo que, na aparência, seja extremamente negativo, devemos reconhecer de modo consciente o sentimento de harmonia em nossa mente e permanecer em meio a essa experiência. Seja negativa ou positiva, a percepção depende da nossa mente. Se vemos uma coisa como algo positivo, mesmo que seja uma simples xícara de chá, essa coisa pode tornar-se um objeto que nos traz alegria, só por causa da nossa percepção. Se vemos a mesma xícara como algo negativo, ela se torna desagradável. Em vez de sempre impor nosso ponto de vista habitual às coisas, talvez seja útil nos lembrarmos de que o mundo é sempre aberto a interpretações.

 

Tulku Thondup

[Thondup, Tulku. O poder curativo da mente: exercícios simples de meditação para a saúde, o bem-estar e a iluminação. 9ª. ed. Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. Prefácio de Daniel Goleman. São Paulo: Pensamento, 2000, p. 72.]

Tulku Thondup é um monge budista tibetano com vários livros publicados no Ocidente. Ao tratar das possibilidades de cura física e psíquica, um dos aspectos em que esse mestre tibetano mais insiste é na importância do enfoque que damos às experiências pelas quais passamos. As nossas experiências, por mais trágicas que sejam, podem ganhar uma conotação diferente dependendo da interpretação que lhes damos, do valor que lhes atribuímos.

Na verdade, tudo na vida é passível de interpretação. Se assim é, então nossas experiências podem ser ressignificadas. Na perspectiva budista, o que importa não é exatamente o que nos acontece, mas o que fazemos com tais acontecimentos, ou seja, importa mesmo é o significado que lhes atribuímos.

Recentemente reli alguns trechos do livro de Tulku Thondup, O poder curativo da mente (o qual eu havia lido há nove anos), motivado pelo momento que estou passando, depois de ter vivenciado um fato que foi para mimtanto marcante quanto traumático, sob cujo efeito ainda me encontro. Depois de três meses do fato ocorrido, a perda de um irmão muito querido em circunstâncias que me fizeram sofrer muito, ainda tento entender o que aconteceu, bem como minhas reações face às circunstâncias.

Às vezes é muito reconfortante ler instruções da natureza das que são dadas por mestre Thondup no seu livro. A gente lê e pensa: é isso mesmo, é assim que se deve agir. No entanto, quando somos pegos de surpresa – e quase sempre a vida nos pega de surpresa – com um fato inesperado e trágico, que nos fere e deixa marcas profundas, agir de acordo com a teoria pode ser muito difícil. Quando se está no olho do furacão fica difícil enxergar algo que não seja poeira e vento forte.

Em que pese, porém, esse aspecto da nossa experiência humana, não tenho dúvidas de que uma mudança de perspectiva pode ajudar muito na maneira como lidamos com os fatos mais difíceis e problemáticos da vida. Mudar o enfoque que se dá aos fatos vividos, é não só condição importante para a resolução de problemas como, também, um fator de cura, uma vez que se pode evitar, assim procedendo, a transformação de situações em patologias, sejam elas de natureza física ou psíquica. É evidente que há situações em que de forma alguma é possível escamotear o caráter trágico ou traumático de uma experiência. E, nesse caso, fingir que a situação não existe não resolve nada. Entretanto, uma vez tendo tomado consciência do fato, se torna necessário ir além, dar mais um passo, e, aí sim, ponderar sobre o sentido que se pode – e deve – dar à experiência vivida.

Como afirma Tulku Thondup: “Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o grande problema é a nossa insistência em impor conceitos a experiências que, em sua natureza, são na verdade passíveis de interpretação. A noite e o dia não são nem bons nem ruins; mas, se decidirmos querer apenas o dia e detestar a noite, esta vai acabar se tornando odiosa” (p. 77).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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