persp_espiritualidade_budistaDentre todas as grandes religiões, o budismo é a que se concentra com maior ênfase no aspecto da religião que denominamos espiritualidade. Nenhuma outra religião deu maior valor aos estados de percepção e libertação espiritual, e nenhuma outra descreveu, tão metodicamente e com tamanha riqueza de reflexões críticas, os vários caminhos e disciplinas por meio dos quais esses estados são alcançados, ou as bases ontológicas e psicológicas que tornam esses estados tão importantes e esses caminhos tão eficientes. No budismo, “a espiritualidade”- talvez o termo sânscrito bh?van?, ou “cultivo”, seja o equivalente mais próximo – não é uma realidade meramente interior ou uma simples fuga da existência comum. Ela não pressupõe qualquer dualismo entre o domínio espiritual e o domínio dos sentidos, ou entre uma dimensão profana e o mundo sagrado.

A Equipe do Instituto Nanzan de Religião e Cultura. Nagóia, Japão

[Yoshinori, Takeushi (org.). Espiritualidade budista: Índia, Sudeste Asiático, Tibete e China primitiva. – Em associação com Jan van Bragt, James W. Heisig, Joseph S. O’Leary e Paul L. Swanson. – Tradução Maria Clara Cescato. – São Paulo: Perspectiva, 2006. – (Coleção estudos; 219 / dirigida por J. Guinsburg), p. IX.]

O interesse pelo budismo nos países ocidentais cresceu consideravelmente nos últimos decênios. Vários aspectos têm contribuído para isso. Tem se tornado comum encontrar em revistas semanais livros de autoria do Dalai Lama nas listas dos mais vendidos. A luta do líder tibetano pela libertação do seu povo, e a propagação de suas idéias em jornais, revistas e livros é, seguramente, um dos fatores que tem contribuído para que o budismo venha se tornando uma religião mais conhecida no Ocidente. No entanto, em que pese tal interesse, essa é uma religião cujos conceitos ainda permanecem imersos em grande nebulosidade, sendo alguns deles de grande complexidade, não podendo ser apreendidos facilmente. Nem sempre é possível dispor de textos confiáveis, vertidos para a língua portuguesa, onde os conceitos budistas possam ser aprofundados.

Isso posto, foi para mim uma grande alegria quando, indo ao Rio de Janeiro, me deparei com o volume II do livro A espiritualidade budista, publicado pela editora Perspectiva. Adquiri-o com certo pesar, pois não teria mais tempo para procurar o volume I, uma vez que retornaria a Fortaleza na manhã seguinte. Não muito tempo depois, porém, fui agradavelmente surpreendido ao entrar na livraria Vozes e encontrar, em uma gôndola, o almejado volume.

A Espiritualidade budista é uma obra valiosíssima para os estudiosos do budismo. Organizada por Takeushi Yoshinori, professor emérito da 241140Universidade de Kyoto e um dos expoentes da Kyoto School de filosofia, para a redação dos diversos capítulos que compõem os dois volumes o organizador contou com a colaboração de uma equipe valiosa de eruditos versados na doutrina e prática budistas. O volume I é dedicado à Índia, Sudeste Asiático, Tibete e China primitiva. O volume II, por sua vez, contempla a China mais recente, Coréia, Japão e mundo moderno.  Os dois conceitos budistas de maior complexidade, meditação e vazio, envoltos ainda em grande confusão quando se trata de sua compreensão no Ocidente, mereceram tratamento especial, sendo sua elucidação o fio condutor dos textos, conforme a Introdução do volume I:

“Ao concentrar seu foco nas esferas superiores da espiritualidade budista, nossos colaboradores deram destaque especial a dois temas em particular: a meditação e o vazio. Se mantiver esses tópicos firmemente em vista, o leitor perceberá que as outras questões discutidas nestas páginas convergem para eles e deles extraem seu significado. O quadro resultante talvez seja reflexo das tendências do atual interesse ocidental, pois esses dois temas oferecem apenas uma solução possível para o problema de se identificar o núcleo característico da espiritualidade budista. No entanto, na atual perspectiva ocidental, caracterizada pela popularidade das técnicas de meditação Vipassan? e Zen e pelo grande interesse acadêmico no ‘vazio’ como tema filosófico, ou pelo menos como prática espiritual, esses dois temas ganharam uma atratividade especial e oferecem um ponto de entrada promissor no mundo imenso, e muitas vezes insólito, do pensamento budista” (p.XI).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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