Estranhamente ele me apareceu num local e horário absolutamente insólitos, digo, inabituais. Foi por volta do meio-dia. O odor peculiar anunciou-me sua chegada, com um discreto farfalhar de páginas soltas sobre a mesa, quando uma suave brisa varreu o ambiente. Ergui os olhos e divisei seu vulto. Foi então que ele me sorriu. Sim, Dom Cristiano me saudou com um sorriso, e que sorriso! Senti tanta alegria e tanta beatitude naquele sorriso que me quedei mudo diante dele. Acho que se passaram uns dois minutos em que apenas nos olhamos, numa secreta comunhão mediada por seu sorriso. Eis, porém, que ele resolve falar.

“Vejo que há novidades por aqui. Começaste, enfim, a desenhar a Mandala da Vida. Parbés! Fico contente em ver que uma etapa necessária de tua iniciação, várias vezes adiada, começa, enfim, a se realizar. Escolheste muito bem o cristal que será incrustado no centro. É, de fato, muito belo, um sol translúcido e cristalino. O Mestre estará no centro do cristal. Tomaste a decisão correta ao optar por dar a ele o lugar de maior destaque na mandala. Um dia saberás o motivo que te levou a essa decisão. Por enquanto, é melhor que ele permaneça envolto ainda em alguma obscuridade e desconhecimento. Não te preocupes, assim como a mandala que ora inicias, depois de tantas protelações, também a revelação do Mestre virá a seu tempo”.

Perguntei a Dom Cristiano o que ele pensava do número de quadrantes em que dividi a Mandala. “Perfeitíssimo”, respondeu. “É evidente que o número de quadrantes teve por fundamento a consulta feita ao Tarô há tantos anos. Sei que, ainda hoje, passado tanto tempo e realizados tantos estudos em torno do tema, ainda te causa certa desconfiança o algarismo obtido em tua consulta. Mas não te acanhes agora. Já tiveste confirmações de sobra para te convenceres de que o número correto te foi revelado e não deves agora retroceder. Confia no bem-aventurado Azarias e segue em frente, pois sua assistência não te faltará”.

Queria indagar ainda de Dom Cristiano quanto a outros aspectos da Mandala da Vida. No entanto, como ele já falara tanto sobre o assunto, com palavras tão esclarecedoras e, mais que isso, encorajadoras, preferi me conter e aguardar que a iniciativa partisse dele, o que, porém, não aconteceu. Para surpresa minha, ele falou de um outro assunto, trazendo á conversa um nome que eu não esperava ouvir naquele momento.

“Vejo que Artaban resolveu dar uma trégua”. Concordei, comentando que, de fato, há tempos meu recalcitrante amigo não dava o ar de suas graça por aqui. “Não te incomodes com Artaban, quando ele resolver aparecer para uma visita. Artaban é uma figura necessária à tua iniciação. Sem ele, o processo não poderia ser completado. Apenas não dês atenção desmedida às suas considerações ou provocações quando ele aparecer. Asseguro-te que ele não tardará muito aparecer. Certamente ele estará por perto para comentar a Mandala da Vida quando sua forma começar a se consolidar”. Aquiesci com um discreto inclinar da cabeça.

Aproximou-se, tocou-me o ombro, e falou, à guisa de despedida: “Quero que faças uma coisa. O dia primeiro de novembro será um dia especialmente auspicioso para procederes ao desenho dos quadrantes da Mandala da Vida. Não deixes passar a oportunidade. Retornarei um outro dia, para ver como ficou o desenho”. Pressionou ligeiramente meu ombro e saiu, fazendo ecoar no recinto um discreto tilintar de sino.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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