A oração fervorosa do justo tem grande poder. Assim, Elias que era homem semelhante a nós, orou com insistência para que não chovesse, e não houve chuva na terra durante três anos e seis meses. Em seguida, tornou a orar e o céu deu sua chuva e a terra voltou a produzir seu fruto.

Epístola de São Tiago 5, 16b-18 

[Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão.  São Paulo: Paulus, 2006, p. 2112]

Semana passada postei neste blog dois textos tratando da oração, nos quais tomei por referência alguns versículos da epístola de São Tiago. Concluo hoje a série de três textos que inicialmente planejara escrever inspirado nas exortações do Apóstolo.

Nas palavras finais, à guisa de conclusão de sua epístola, o discípulo de Cristo que assumiria como missão levar a mensagem do seu  Mestre às terras da Espanha, exorta a que se ore com fervor e insistência, citando como exemplo o profeta Elias, cujas orações chegaram ao ponto de alterar as condições atmosféricas.  Quero aqui destacar esses dois vocábulos usados pelo apóstolo para se referir às condições necessárias para que a oração produza os almejados resultados: fervorosa e insistência. A propósito do primeiro vocábulo, fervorosa, a Bíblia de Jerusalém traz em nota de rodapé uma outra palavra usada em substituição a essa na Vulgata, assídua.

Temos, pois, agora, três palavras aplicadas à oração que se quer eficaz: fervor, assiduidade, insistência. Uma das dificuldades da oração é, em grande parte, o desânimo que se abate sobre o orante quando este não vê de imediato suas preces atendidas. É aí que entram em cena as admoestações do Apóstolo para que se ore com insistência. Insistência, aqui, tem o mesmo sentido de assiduidade, embora na  Vulgata essa palavra apareça no lugar de fervor.  Parece-me, inclusive, que as três palavras estão intimamente interligadas, em se tratando da oração, pois quem é assíduo e insistente em suas orações será também, necessariamente, fervoroso.

Um aspecto importante, porém, deve ser mencionado aqui, a fim de nos resguardarmos de incorrer num grande equívoco quando se trata da oração. Pode parecer a muitos orantes que a oração visa basicamente obter benesses. Está absolutamente equivocado quem assim pensa. O problema é que a maioria das pessoas só se lembra de orar quando está necessitado de algum auxílio. Mas este é apenas um dos aspectos, ou uma das funções, da oração.

Para falar da outra perspectiva da oração, gostaria de citar aqui um pequeno trecho do texto que Jozef Heriban escreveu para o verbete Carta de Tiago, no Dicionário de Homilética. Ao comentar as exortações do apóstolo à oração, escreve:  “Orar é dar um sentido diante de Deus a toda a vida, mais que delegar a Deus as soluções dos casos que o homem não é capaz de superar “ (Heriban, Jozef. Verbete: Carta de Tiago. Em: Sodi, Manlio e Triacca, Achille M. (orgs.) com a colaboração de 195 peritos. Dicionário de Homilética. Apresentação de S. Emª. o Cardeal Silvano Piovanelli, Arcebispo de Florença; prefácio de Sergio Zavoli, Jornalista e escritor; tradução Orlando Soares Moreira e Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Paulus: Loyola, 2010, p. 262.)

Penso que o autor condensou nessas poucas palavras o que de melhor se pudesse dizer sobre a oração, pois aí está resumido o objetivo maior de orar, qual seja, atribuir à vida um sentido calcado na lógica da espiritualidade, que deve tender para Deus. Cumprir esse itinerário pode ser uma grande aventura, dependendo de como a encaremos, de como a vivamos no dia-a-dia. É algo assim como se fizéssemos uma peregrinação interior pelos meandros de nossa intimidade rumo à grande com o Bem-Amado.

Para quem aceita o convite, esta pode ser uma aventura de grandes proporções e surpreendentes consequências. Há muitos mapas de que o peregrino pode  se valer como guia; nesse caso, considero a oração um dos mais confiáveis.  Essa jornada, vale lembrar, é tanto interior quanto exterior, uma vez que, externamente, ela pode ser simbolizada pelo deslocamento físico do peregrino. É o que acontece, por exemplo, com os que tomam o Apóstolo São Tiago como guia e sua catedral, em Santiago de Compostela, como meta simbólica da jornada interior. É devido a essa coincidência entre a jornada interior e seu símbolo exterior  que se pode afirmar, por exemplo, a propósito da peregrinação a Santiago de Compostela:

El caminho de Santiago es um recorrido interno (Citado em: Torres, Marilu. Caminhos da fé: Santiago de Compostela via Portugal. 1ª. ed. – São Paulo: Panda Books, 2006, p. 190).

A todos os peregrinos que optaram por seguir o itinerário indicado pela oração, meus votos de que sua jornada interior seja tão emocionante quanto a mais emocionante das aventuras que se possa imaginar. E que aqueles que se sentirem impelidos a simbolizá-la através de uma peregrinação não se demorem em por os pés na estrada e seguir a trilha que seu mestre e seu mapa indicarem.

Ulteya y Suseya!

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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