José enfrentou hostilidades ao lado de Maria durante a viagem a Belém, partilhando com ela sua impotência diante das forças de ocupação Romana. Se Maria representa a autonomia da mulher perante Deus no evento da concepção de Jesus, o que José representa? Deus pediu a José que concordasse com algo que é supremamente difícil para os homens moldados pelos valores do patriarcado. Ele pediu a José que se casasse com uma mulher que estava grávida de um filho de outrem. (…) Uma mulher sabe que os filhos que leva em seu ventre são seus, mas um homem não pode ter certeza absoluta disso. José amava Maria o suficiente para divergir das regras do patriarcado. Quando ele soube de sua gravidez, seu primeiro impulso foi protegê-la da maledicência, terminando seu noivado, sem que ninguém o soubesse (Mt 1,19), muito embora tivesse o dever público de revelar o suposto adultério de Maria. No entanto, Deus pediu a José que fosse ainda mais longe, quebrando todas as regras e assumindo a responsabilidade pelo filho de Maria.

Tina Beattie

[Beattie, Tina. Redescobrindo Maria a partir dos Evangelhos. Tradução Silvio Neves Ferreira. – 3ª. ed. – São Paulo: Paulinas, 2007, p. 57. – (Coleção Maria em nossa vida).] 

São José aparece na história do cristianismo como uma das figuras mais enigmáticas. O fato é que José foi necessário para realização do plano de Deus.  Para que se realizasse o mistério da Encarnação, era necessária uma figura que fizesse as vezes de pai de Cristo aqui na Terra. No entanto, esse seria muito mais um papel de pai simbólico do que pai de fato, motivo por que São José é denominado pai nutrício de Jesus.

Ao ser comunicado por Maria de que ela estava grávida, José se viu embaraçado por saber que não era o pai da Criança. Providencialmente, porém, entra em cena a figura de um anjo – ah!, os anjos, sempre tão providenciais! – para aquietar-lhe o coração. O fato é assim narrado no Evangelho de Mateus:

A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo. Enquanto assim decidia, eis que o Anjo do Senhor manifestou-se a ele em sonho, dizendo: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa: “Deus está conosco”. José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho. E ele o chamou com o nome de Jesus. (Mt 1,18-25) [Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão.  São Paulo: Paulus, 2006, p. 1704].

Essa é a história conforme a narrativa do evangelista.  Qualquer homem que experimente se colocar em semelhante situação poderá imaginar a angústia em que se viu imerso São José. No entanto, o mais extraordinário, para mim, é sua aquiescência à vontade de Deus, quando o Anjo do Senhor lhe parece e transmite-lhe a mensagem do Altíssimo. Fala-se muito do sim de Maria a Deus, quando, também por intermédio de um anjo, nesse caso, o Anjo Gabriel, ela é comunicada de que fora escolhida para ser a mãe do Salvador.

Penso que o sim de José não fica nada a dever se comparado ao sim de sua esposa. Aliás, para quem vivia numa sociedade patriarcal como aquela em que ele fora criado, talvez tenha sido mais difícil ainda aceitar a incumbência. São José, no entanto, não vacila, embora, a princípio, experimente uma grande angústia. Mesmo assim, mantém só para si a aflição que experimentava, não a comunicando a ninguém. É quando entra em cena a figura do Anjo encarregado de desanuviar-lhe a dúvida que o torturava quanto à paternidade do menino.

Muitas vezes tenho refletido sobre o inestimável poder e valor da mensagem que o sim de São José tem a oferecer a todos os cristãos que se permitam refletir ponderadamente sobre a situação. Sempre volto à mesma conclusão: não se diz levianamente sim a uma incumbência de consequências tão graves. Ao mesmo tempo, parece-me, tampouco se pode aquilatar o poder que é mobilizado quando se diz um sim ao plano de Deus com toda convicção, como fez São José depois que o Anjo o visitou em sonho.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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