Desta vez foi em plena rua que ele se manifestou. Fiquei surpresíssimo, pois algo semelhante nunca me acontecera. Mas ele se manifestou, e o fez de uma forma totalmente inusitada. Na verdade, não era exatamente ele, mas passei por uma experiência tão estranha e surpreendente  que, pelas características, só poderia mesmo ser coisa dele. E o curioso é que, a princípio, nem me dei conta do que estava acontecendo. Na verdade, somente alguns dias depois comecei a juntar as peças e montar o quebra-cabeças; foi aí que pude discernir o motivo para o que estava me acontecendo, qual era a fonte e que mensagem estava sendo transmitida.

Ontem, passados já muitos dias, pude ter uma percepção mais clara do que acontecera. Mas somente há pouco a situação ficou totalmente esclarecida, quando ele resolveu aparecer. Talvez apenas alguns leitores que acompanham este blog desde o início tenham inferido de quem estou falando, fazia tanto tempo que eu não me referia ao personagem que motivou esse texto que, suponho, muitos o terão esquecido.

Refiro-me a Dom Cristiano. Ainda há pouco, depois de concluir minhas orações matinais, liguei o computador, peguei um café na cozinha e, foi só o tempo de me sentar ao birô para que ele aparecesse. Me arrepiei todo. Eu não esperava que ele viesse por aqui hoje. Na verdade, eu nem imaginava mais que ele pudesse me dar ainda alguma atenção. Devo dizer que eu vinha achando que os meus contatos com Dom Cristiano eram uma página virada da minha história.

Enganei-me redondamente. Quando ele apareceu, obtive a confirmação do que eu já vinha pensando nos últimos dias a propósito de alguns fatos acontecidos recentemente. Quando o vi surgir diante de mim de supetão foi grande a surpresa. Diferentemente do que é comum acontecer quando ele aparece, sempre precedido de algum indício como odores ou sons, desta vez ele chegou de forma absolutamente silenciosa, sem aviso prévio. Foi um choque para mim quando o vi surgir num átimo bem à minha frente. Acho que o objetivo era mesmo causar impacto, para me tirar da letargia em que me encontrava nos últimos quinze dias.

Foi olhando para mim e dizendo, de chofre, sem nem ao menos me fazer uma saudação: “O que você pensa que está fazendo, Vasco, agindo como vem agindo ultimamente? O que você fez do seu mito pessoal? Você esqueceu que tem um mito pessoal do qual, por mais que tente, não poderá fugir? Eu sei qual é o pretexto, sua análise. Estará incorrendo em grande equívoco, meu rapaz, se pensa chegar a algum lugar pensando dessa maneira. As duas coisas são incompatíveis apenas na aparência, não na essência. Você que é tão dado à profundidade dos abismos vai se contentar em ficar na superfície neste momento em que atravessa um estágio crucial da sua jornada iniciática? Vá ao fundo, rapaz, como você já fez em outras ocasiões”.   

Fiz menção de dizer alguma coisa mas, quando ia falar, ele me interpelou: “Não diga nada, você não tem nada para dizer neste momento. Hoje você deve se limitar a ouvir o que tenho para lhe dizer. Olhe, Vasco, você chegou a um momento importantíssimo da sua iniciação. Você já está no umbral do templo, falta apenas entrar e passar para a próxima etapa. Uma vez dentro do templo, coisas maravilhosas e surpreendentes lhe acontecerão. Você vai experimentar delícias nunca antes imaginadas. Mas para cruzar o umbral há um detalhe importantíssimo e do qual depende totalmente a permissão para cruzar o umbral e entrar no templo. Preciso dizer apenas mais uma frase para você saber do que se trata: sua Mestra espera a sardinha. Restam-lhe apenas seis dias, a contar de hoje, para que você lhe faça a oferenda. Se perder a oportunidade, não haverá uma segunda chance”. 

Apenas pronunciou essas últimas palavras, sumiu da mesma forma como aparecera. Estupefato pelo que acabara de ouvir, ergui-me da cadeira e fui à cozinha pegar uma xícara de café. Ao retornar à biblioteca, antes de me sentar, peguei o livro da Mestra que se encontrava sobre o birô; depois de lhe fazer mentalmente uma indagação, abri-o aleatoriamente. Maravilha: abri-o exatamente no episódio da sardinha.

O templo me espera, resta-me apenas fazer a oferenda e cruzar o umbral. Deus seja louvado!

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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