Num ensaio escrito em 1911, o pensador alemão Georg Simmel (1858-1918) fala do indivíduo dividido entre a tentação de crer e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de fazê-lo. Essa, poderíamos dizer, é uma situação que não deixa de ter uma certa tragicidade.  Enfrentar a realidade em toda sua crueza não é tarefa das mais fáceis, e o lenitivo de uma fé sempre pode oferecer nos momentos mais difíceis uma certa segurança e apoio ao desamparo.

Em que pese a verdade que pode ser creditada a essa premissa, a dificuldade está na constatação de que desde o advento da modernidade, com o progresso da ciência, a capacidade de crer sofreu um grande abalo. Ao indivíduo instruído e culto já não é tão fácil crer no divino, na possibilidade de um sagrado que, apesar de transcendente, se manifesta no cotidiano.

Ora, ocorre que a tentação a crer sempre é muito grande. Mesmo o indivíduo mais descrente tem sempre um discreto, ainda que não revelado, desejo de crer. E é aí que está o trágico da situação. Como sujeito bem-pensante ele não pode mais correr o risco do ridículo de crer em divindades que a ciência desalojou do empíreo, principalmente desde que se lançou à tarefa de demonstrar que o empíreo era não mais que uma invenção puramente imaginária. O habitat do divino foi desfeito e a divindade banida do horizonte das possibilidades humanas. Se não existe céu, onde ancorar, ou melhor, onde encontrar este Deus tão necessário que nem mesmo um locus que o abrigue tem mais?

A resposta, parece-nos, não poderia ser outra: no coração, é no coração do indivíduo mesmo onde única e exclusivamente é possível o encontro com Deus. É por isso que toda experiência religiosa autêntica é também, essencialmente, solitária. Isso não quer dizer que o sujeito da experiência possa prescindir totalmente do grupo. De maneira alguma. O ser humano é um ser eminentemente gregário. Sua experiência religiosa, por isso mesmo, precisa ser comunicada, pois é o outro que, de alguma forma, a ratifica. Entretanto, chegamos a uma situação tal que as instituições religiosas já não respondem satisfatoriamente ao anseio do indivíduo pela experiência do sagrado.

Resta-lhe, portanto, a alternativa de seguir sozinho nessa estranha e obscura aventura, em busca do Deus que, ao cabo, há de revelar-se não fora, provindo das imensidões de um céu quiçá inexistente, mas dentro, na própria intimidade, no âmago mais profundo e recôndito do indivíduo. Aventura essa tão excitante quanto perigosa, posto que o sujeito que a ela se lança  não  tenha mais as garantias que antes tinha, quando podia seguir seu itinerário espiritual sob o abrigo de uma religião que tanto retificava quanto ratificava-lhe o percurso, não raras vezes obscuro e incerto.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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