Foi no início da segunda metade de minha vida que comecei o meu confronto com o inconsciente. Foi um trabalho que se estendeu por longos anos e só depois de mais ou menos vinte anos cheguei a compreender em linhas gerais os conteúdos de minhas fantasias.

C. G. Jung

[Jung, C. G. Memórias, sonhos e reflexões. Reunidas e editadas por Aniela Jaffé. Tradução de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p. 177.]

Sempre que leio Jung – e devo dizer que o tenho feito a intervalos intermitentes desde os meus tempos de faculdade – me pergunto até onde uma pessoa pode se deixar levar por suas fantasias inconscientes. Nesse aspecto, para mim ninguém se equipara ao psicólogo suíço. Jung levou suas fantasias às últimas consequências. Por isso o admiro tanto, pois ele teve coragem de fazer o que pouquíssimos homens de ciência que ocupassem o mesmo lugar que ele se permitiriam.

No trabalho com suas fantasias Jung saiu vencedor, pois o que poderia muito bem ter resvalado para a esquizofrenia ele logrou transformar em ciência. Foi, também, de uma coragem a toda prova, pois descer à profundidade que ele desceu na vivência das imagens inconscientes é tarefa para poucos.

Tais imagens são carregadas de um conteúdo muito denso e poderoso, e quem não souber manejá-las muito bem corre o sério risco de embarcar numa viagem sem retorno, cujo resultado poderá ser a loucura. A história está repleta de exemplos de homens que encetaram esta viagem e não retornaram.

Jung na Torre de Bollingen

Mas Jung não vacilou. Ele foi, antes de tudo, um homem que se permitiu seguir o itinerário que lhe iam ditando suas fantasias sem medo de parecer insano ou infantil. Leio a vida e a obra de Jung e fico fascinado ao vê-lo esculpindo pequenas figuras, desenhando, dialogando com Filemon – um mestre desencarnado -, redigindo o controvertido e hermético Septem sermones ad mortuos –  texto no qual ele dialoga com almas de além-túmulo-, ou ainda se refugiando em uma torre à margem de um lago onde permanecia recluso por dias e dias, longe da civilização, cortando ele próprio a lenha que usava para acender a lareira.

A torre, aliás, é um caso à parte na biografia de Jung. Nesse recinto foi talvez onde ele mais se permitiu mergulhar em profundidade

Torre de Bollingen

nas suas fantasias e imagens inconscientes. A própria torre foi passando por alterações a medida que ele consolidava o sentido das fantasias que lhe brotavam das profundezas da psique.

Recordo que quando comecei a ler Jung a história da torre foi um dos meus primeiros fascínios. Durante muitos anos alimentei o sonho de um dia visitá-la, projeto, aliás, que permanece de pé, esperando apenas a ocasião de ser concretizado.

Jung tem muito a nos dizer e a nos ensinar. Ele fez ciência como alguém jamais ousou fazer. Para mim, ler seus textos é, muito mais que um prazer, uma necessidade, pois eles me alimentam e me inspiram a dar vazão a muitas facetas da minha incansável busca que, não fosse por seu exemplo sempre encorajador, eu há  muito já teria desistido.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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