“Por que te deixas intimidar?” Uma voz peculiar, há muito não ouvida, porém, nunca esquecida, ecoou na biblioteca. Ergui os olhos e vislumbrei, diante de mim, a figura de Dom Cristiano. O velho monge voltava a me visitar.  Eram pouco mais de dez horas e, na ocasião, encontrava-me absorto na leitura do Inventário das sombras.

A aparição, entretanto, não me causou grande surpresa. Na verdade, de alguma forma eu antevira o fato. É que há mais ou menos uma semana eu vinha sentindo vontade de escutar o Concerto de Aranjuez. Aliás, recordo agora, estou com o CD no carro. Escutei-o quinta-feira da semana passada, e, hoje cedo, tão logo liguei o computador, senti o impulso de procurar no youtube alguma versão da música que já se tornou, para mim, uma espécie de anúncio das visitas de Dom Cristiano. E agora, o fato prenunciado se consumava. Ali, à minha frente, postava-se o velho Mestre, olhando-me com a ternura sempre manifestada em nossos encontros.

Pois bem, quando nossos olhos se encontraram, Dom Cristiano prosseguiu: “Bom dia, Vasco”. Respondi ao cumprimento: “Bom dia, Dom Cristiano”. Ato contínuo, prosseguiu o Mestre: “Por que você se deixa intimidar por tão pouco, Vasco? Você está, mais uma vez, se atrasando sem necessidade. Quetemor é este, rapaz, que o impede de ir em frente? Há passos a dar, a estrada está aí, bem à sua frente, esperando ser palmilhada”.

Como eu permanecesse num estado da mais completa mudez, sem manifestar qualquer atitude, ele prosseguiu: “Não tome minhas palavras como reprimenda, mas como alerta e incentivo. Vejo que você está lendo o Inventário das sombras. Pois aí está um bom incentivo.  Tudo está posto para a realização da Obra, por que esperar, então?”

“O que devo fazer, Dom Cristiano, se me sinto paralisado, sem conseguir avançar?”, indaguei. “Quero que inicies hoje um ritual diário, que deverás realizar ao longo dos próximos 21 dias. Deverás iniciá-lo esta noite. Começarás pela leitura de dois textos que te indicarei agora. Quero que leias o Capítulo XVIIII de Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô e, a seguir, as páginas 283 a 289 do livro da Dra. Irene Grad, Tarô e Individuação: Correspondências com a cabala e a alquimia, em que a autora trata do Arcano XIX, O Sol. Depois de feitas estas leituras, inicie o ritual, seguindo o seguinte roteiro”. Dom Cristiano passou a descrever os passos que eu deveria seguir na realização do ritual.

Ao se despedir, alguns minutos depois, prometeu que retornaria ao cabo de 21 dias, quando da conclusão do itinerário por ele traçado para mim, ou, antes, caso isso se fizesse necessário.

A visita de Dom Cristiano me precipitou em tal estado de euforia, que nem consegui esperar chegar a noite para iniciar as leituras recomendadas. Buscando os livros na estante, me lancei à leitura dos textos sugeridos. À noite, cumprirei o ritual prescrito pelo Mestre.

[PS: Este texto tinha sido originalmente postado na segunda-feira, dia 14/05. À noite, por motivos que não gostaria de mencionar aqui, resolvi excluí-lo. Motivos maiores, porém, me levaram, há pouco, a decidir publicá-lo novamente, o que faço agora.]

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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