A literatura pode transformar nossa vida.
Alain de Botton
[Botton, Alain de. Religião para ateus. Tradução de Vitor Paolozzi. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011, p. 92.]
Tanto ler quanto escrever podem transformar uma vida. Eu, que sempre vivi cercado de livros, posso afirmar com segurança que não poucas e significativas mudanças na minha vida resultaram – e assim ainda acontece -, da leitura.
Às vezes precisamos ler quase a obra inteira de um autor para que essa transformação se verifique. Esses casos, porém, são mais raros. A maioria das pessoas, por motivos diversos, não consegue ou não quer se dedicar à leitura de uma obra completa, que, em alguns casos, pode ser vasta, o que demandaria disponibilidade de tempo. Isso é mais comum acontecer quando calha do leitor se apaixonar pelo autor. Nesses casos, às vezes sem que o perceba, de repente descobre que já leu toda produção literária daquele escritor ou escritora.
Comigo isso aconteceu quando descobri a obra de Clarice Lispector. Foi amor à primeira vista. Desde então, li sequencialmente toda sua obra. Concluía uma leitura já antegozando o momento em que iniciaria a seguinte. E como me modificou a leitura de livros como “A paixão segundo G.H.”, “Água viva”, “A hora da estrela” e, muito particularmente, “A maçã no escuro”, que li três vezes! Ainda hoje, passados mais de vinte anos, reler Clarice ainda me proporciona imenso prazer. O impacto não é mais o mesmo, claro, mas, de alguma forma, ainda é impactante, provocando-me novas reflexões e, eventualmente, mudanças.
Mas há também autores pelos quais passamos incólumes. Lemos um livro inteiro e, chegado à última página, é quase como se nada tivesse acontecido. Nesse caso talvez tenha sido apenas puro entretenimento, sem maiores consequências. Livros e autores assim logo são esquecidos, e só raramente a eles retornamos.
Há casos, porém, em que somente depois da leitura de dois ou três livros é que verdadeiramente descobrimos o autor. Só então se pode dizer que o encontro aconteceu. Nesse caso, talvez se deva retornar ao ponto de partida e ler tudo de novo, condição necessária para que novas percepções da obra sejam proporcionadas. E muitas vezes exclamamos para nós mesmos, surpresos: “Como é que eu não havia percebido isso antes?” Bem, uma possível resposta é que talvez não fosse aquele o momento mais adequado para aquela leitura. É curioso como há ocasiões em que a gente se depara exatamente com o livro de que estávamos necessitando para elucidar uma questão existencial ou ajudar numa tomada de decisão.
A propósito, me vem à memória um fato ocorrido há alguns anos. Naquela ocasião eu ainda era professor do Instituto de Ciências Religiosas, no Seminário da Prainha. Encontrava-me no pátio da Faculdade folheando o livro “O pobre de Deus”, de Nikos Kazantzákis, o mesmo autor de “A última tentação de Cristo”, transformado em filme por Martin Scorsese. Pois bem, eis que se achega a mim um aluno, frade capuchinho, e, ao ver a obra que eu tinha em mãos, fala: “Foi a leitura deste livro que me fez tomar a decisão de ser franciscano”. Fiquei impressionado. Uma decisão dessas é coisa muito séria, com implicações para vida inteira. E, no entanto, ele a tomara motivado pela leitura de um livro.
Interrompi aqui este relato, fui à estante e peguei a publicação mencionada. Folheei algumas páginas mais ou menos aleatoriamente, revendo trechos que eu havia sublinhado. Na página dezenove encontrei uma frase curta, simples, direta, clara, tão precisa que não deixa qualquer dúvida a quem a leia procurando uma iluminação, uma luz para o itinerário a seguir. Uma dessas frases que, em certas circunstâncias, pode determinar o destino de uma vida:
“Esse é o caminho, esse mesmo; não há outro” (Kazantzákis, Nikos. O pobre de Deus. Tradução Ísis Borges Belchior da Fonseca. – São Paulo: Arx, 2002, p. 19.)
Sem dúvida um livro pode nos trazer uma mudança de paradigma, embora essa mudança possa ser consistente ou inconsistente.
Eis as idiossincrasias teratológicas que perpassam de forma inexorável esta agonia risível pelo ABSOLUTO…….. tergiversante o pensamento….. certeza NENHUMA. De refutabilidade simplória e mediana….
“Eu tenho o meu caminho. Você tem o seu caminho. Portanto, quanto ao caminho direito, o caminho correto, e o ÚNICO CAMINHO, isso não existe.” Friedrich Nietzsche