Eu me apresento a vocês sem ter nada especial a oferecer. Não tenho a pretensão de ser um grande pregador ou mesmo intelectual profundo. Decerto não tenho nenhuma pretensão à infalibilidade – ela está reservada às alturas do Divino, não às profundezas do humano. A cada momento, tenho consciência de minha finitude, sabendo com clareza que nunca fui banhado na luz da onisciência nem batizado nas águas da onipotência. Apresento-me a vocês unicamente com a afirmação de ser um servo de Cristo e com o sentimento de depender de sua graça para minha liderança. Venho com o sentimento de ter sido convidado para pregar e liderar o povo de Deus. Senti-me como Jeremias: “A palavra de Deus é em meu coração como fogo ardente encerrado nos meus ossos.” Tal como Amós, percebi que, quando Deus fala, quem pode deixar de profetizar? Senti com Jesus que o Espírito do Senhor está em mim, pois ele me designou a pregar o evangelho para os pobres, curar os desolados, pregar a soltura dos cativos e libertar os oprimidos.

Martin Luther King

[King, Martin Luther. A autobiografia de Martin Luther King. Organização Clayborne  Carson; tradução Carlos Alberto Medeiros. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2014,

 p. 64.]

A grande pergunta que tenho feito a mim mesmo ao longo dos últimos anos é, creio, a pergunta mais importante que deve fazer quem queira levar a sério o projeto de se tornar um discípulo de Cristo: Quem é este Cristo a quem pretendo seguir? A segunda indagação vem depois: Agora que me tornei seu discípulo, o que ele quer de mim?

Não tendo ainda obtido uma resposta que me satisfaça, tanto a uma quanto à outra indagação, sigo buscando pistas que me esclareçam e iluminem. Não me é possível pensar no seguimento de Cristo sem considerar a radicalidade desse projeto. Quando penso nas possíveis implicações da adesão a Cristo, muitos nomes me veem à mente. Refiro-me a pessoas que disseram integralmente sim ao convite de se tornarem discípulos e, portanto, testemunhas de Cristo.

Duas dessas pessoas, coincidentemente, foram pastores de igrejas protestantes: o alemão Dietrich Bonhoeffer e o norte-americano Martin Luther King. A vida desses dois homens me provocou sempre uma profunda e indelével impressão.  Sua fidelidade no seguimento da mensagem de Cristo, em pleno século XX, século este que testemunhou uma laicização da vida sem precedentes, é tão admirável quanto surpreendente.

A propósito, enquanto lia esta manhã o primeiro sermão proferido por Martin Luther King (1929-1968) como pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery, Alabama,  num domingo, 2 de maio de 1954, fechei o livro e fiquei um tempão de mão no queixo, pensando. Quando fez o sermão – cujo trecho cito no início desse artigo, à guisa de epígrafe -,  o jovem pastor norte-americano tinha apenas vinte e cinco anos. Apesar de tão jovem, quanta determinação e convicção transmitem suas palavras. Ali estão palavras de um homem que tem a mais absoluta convicção de quem é o seu Mestre e o que ele quer de si.

No capítulo de sua Autobiografia no qual o sermão é citado, pode-se vislumbrar o desafio que significou para ele assumir a missão para a qual se sentira chamado. Foram dias e dias pensando, refletindo e conversando muito com sua esposa, antes de, enfim, decidir-se a aceitar o convite. Uma vez tomada a decisão, porém, ele não titubeou, entrando de cara, assumindo integralmente, com muita responsabilidade e espírito de envolvimento e doação o projeto para o qual se sentira chamado por Deus.

O mais importante ele tinha: a certeza de que seu Mestre era Jesus Cristo e de que entregar-se totalmente ao seu seguimento era a grande missão a que fora chamado na vida.

Mas quantos de nós tem a coragem necessária para responder convictamente e sem titubear à questão “E vós, quem dizeis que eu sou?”, cada vez que Cristo nos interpela?

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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