O cardeal Walter Kasper, presidente emérito do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, no prólogo de seu livro “A misericórdia: condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã”, publicado originalmente em 2013, afirma: “A presente obra baseia-se nos rascunhos que elaborei para um ciclo de palestras no âmbito dos Exercícios Espirituais. Na altura, porém, a palestra sobre a misericórdia a que se destinavam não atingiu os objetivos a que me propus. As investigações teológicas não me ajudaram a avançar. Nos anos seguintes, retomei reiteradamente este tema. A reflexão e a investigação levaram-me a questões centrais, tanto no que se refere à doutrina sobre Deus e os atributos divinos, por um lado, como no respeitante à existência cristã, por outro. Pude constatar que a misericórdia, que é tão fundamental na Bíblia, ou caiu largamente no esquecimento na teologia sistemática, ou é tratada apenas de uma forma muito pouco cuidada. Nestas questões, como em tantas outras, a espiritualidade e a mística vão muito adiante da teologia acadêmica. Assim, o presente texto propõe-se estabelecer a ligação entre a reflexão teológica e as considerações espirituais, pastorais e sociais com o intuito de propiciar uma cultura da misericórdia” (p. 9).

A proposta do cardeal Kasper parece-nos merecedora de uma ponderada reflexão, posto que estejamos inseridos, no momento, numa cultura que prima pela disseminação do ódio, da violência e da intolerância, tornando, não raro, quase impossível a convivência pacífica, numa verdadeira desumanização do homem. Nesse sentido, é preciso ir além, dar um passo adiante, e insistir na viabilidade do diálogo, que pressupõe, quase sempre, o exercício da misericórdia.

Assim, talvez não seja mera coincidência o importante passo dado pelo papa Francisco no sentido de fomentar uma cultura da misericórdia, ao decretar, no dia 8 de dezembro de 2015, o Ano Santo da Misericórdia, Jubileu Extraordinário que se estenderá até 20 de novembro de 2016. Lembre-se, por oportuno, que, em sua preleção na Praça de São Pedro em 17.03.2013, o pontífice fez elogiosa referência à obra mencionada, ao afirmar: “O livro do cardeal Kasper sobre a misericórdia fez-me muito bem. O cardeal Kasper diz que a melhor sensação que podemos ter é sentir misericórdia: esta palavra muda tudo, muda o mundo. Um pouco de misericórdia torna o mundo menos frio e mais justo”.

Ao salientar que “houve três Papas da segunda metade do século XX e do início do século XXI que nos propuseram o tema da misericórdia”, ou seja, João XIII, João Paulo II e Bento XVI, conclui o cardeal Kasper: “Verdadeiramente, não se trata de um tema secundário, mas sim de um tema fundamental do Antigo e do Novo Testamento, de um tema fundamental para o século XXI, em resposta aos sinais dos tempos” (p. 21).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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