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21. Teologizando

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Vasco Arruda

(…) o argumento de Tomás de Aquino em favor da revelação é bastante racionalista; e, por outro lado, claramente democrático e popular. Esse argumento nada tem contra a razão. Ao contrário, parece inclinado a admitir que poderíamos alcançar a verdade através de um processo racional, se fôssemos suficientemente racionais; e também se continuássemos racionais durante o tempo necessário para isso. Na verdade, algo de seu caráter, que em outro lugar chamei de otimismo, e para o qual não conheço outro termo mais próximo, levou-o antes a exagerar o grau até o qual todos os homens acabariam por ouvir a voz da razão. Em suas controvérsias, São Tomás sempre supõe que os homens vão ouvir a voz da razão. Isto é, ele acredita firmemente que é possível convencê-los por meio da argumentação, quando eles conseguem acompanhá-la até o fim. Só que seu senso comum lhe disse ainda que a argumentação não termina nunca. Eu poderia convencer um homem de que a matéria como origem da mente é algo bem insensato se ele e eu gostássemos muito um do outro, e discutíssemos acaloradamente um com o outro todas as noites durante quarenta anos. Mas, bem antes de ele se convencer, já no leito de morte, teriam nascido mil outros materialistas, e ninguém seria capaz de explicar tudo a todos. São Tomás julga que a alma de todas as pessoas comuns que trabalham duro e têm uma mente não sofisticada é tão importante como a alma dos pensadores e dos que se dedicam à busca da verdade; e pergunta como todas essas pessoas poderiam encontrar tempo para a quantidade de raciocínios necessária para a descoberta da verdade. Todo o tom da passagem mostra tanto o respeito pela pesquisa científica como uma forte simpatia pelo homem comum. Seu argumento em favor da revelação não é um argumento contra a razão, e sim a favor da revelação. A conclusão que ele tira disso é que os homens têm de receber as verdades mais elevadas de maneira miraculosa, pois do contrário a maioria não as receberia. Seus argumentos são racionais e naturais, mas suas deduções são todas favoráveis ao sobrenatural; e, como é comum no caso de sua argumentação, não é fácil encontrar nenhuma dedução a não ser na própria dedução que ele faz. E, quando chegamos lá, descobrimos que é algo tão simples quanto o próprio São Francisco teria desejado que fosse: a mensagem vinda do céu, a história contada a partir do céu, o conto de fadas que na realidade é verdadeiro.
G. K. Chesterton
[Chesterton, G. K. São Tomás de Aquino: as complexidades da razão. In: Chesterton, G. K. São Tomás de Aquino e São Francisco de Assis. Tradução Adail Ubirajara Sobral / Maria Stela Gonçalves. – Rio de Janeiro: Ediouro, 2009, p. 208.]