Reencontrar o amor / Estancar a dor / E mostrar de novo / O que vou fazer / Pra poder sonhar / E ter esperança / E continuar.

[Quando eu crescer. Música: Claudecy Araújo; Letra: Castro Segundo]

Ontem estava diante do elevador aguardando que parasse no meu andar quando, de repente, a porta se abre e dou de cara com o Castro Segundo, um amigo que já foi meu vizinho, mas não mais reside no meu prédio, pois deixou de morar com os pais quando casou. Foi necessário apenas o momento rápido em que ele saía e eu entrava para que ele segurasse a porta e, se dirigindo a mim, falasse: “Rapaz eu tenho uma coisa que preciso de te mandar. O Claudecy ligou pra mim e fizemos juntos uma música”. O Claudecy também é um amigo muito querido, meu colega de trabalho. Bem, no pouco tempo de que dispunha, como sempre acontece quando calha de encontrarmos alguém ao sairmos ou entrarmos num elevador, eu disse apenas um entusiástico “Quero ouvir”. A porta fechou e o elevador desceu.

Mais ou menos uma hora depois eu recebia por Whatsapp um link de acesso ao youtube. Ao clicar no link, vi se abrir um quadrado azul com a frase “A todos os amigos, é o que desejo para nós que já crescemos”. Simultaneamente, alguns suaves acordes de violão abriam a bela canção cujos versos me provocariam emoções que me transportariam, em lampejos rápidos, de um passado já distante a um futuro ainda impensável – ou já quase não mais pensável.

Imagens de um passado distante começaram vir à tona tão logo ouvi o primeiro verso que dizia:  “Quando vejo o mundo / Através dos olhos de uma criança”. Fiquei matutando no que significaria para mim, hoje, ver o mundo sob a perspectiva de uma criança. Creio que isso já não me seja possível. Às portas de completar seis décadas de existência, para mim esse é um exercício demasiado difícil. Embalado pela canção, voltei no tempo e revi imagens da minha infância, quando o mundo era ainda vivido como um horizonte infindável de possibilidades de tudo o que eu poderia arriscar ser na vida. Inevitável não lembrar da pergunta sempre feita a qualquer criança: o que você quer ser quando você crescer? Essa questão me projetou no futuro. Mas, que futuro? É aterrorizador pensar em como, nas atuais circunstâncias, se corre tanto o risco de considerar o futuro algo já não mais pensável.

Entretanto, em que pese o aterrorizante momento em que se vive, a arte proporciona sempre uma saída, mesmo nas circunstâncias mais calamitosas e desesperançadas. Com a canção já chegando ao fim, me surpreendo com a resposta do autor na última estrofe, introduzida pelo verso: “Se eu dissesse o que eu quero ser”. A esse verso segue-se a grande surpresa que aguarda o ouvinte, quando o autor da canção diz o que ele quer ser… quando crescer.

Ao ouvir a resposta, percebe-se um paradoxo imbricado nos versos, pois quem responde a questão não é uma criança, mas um adulto. Um adulto que, dedilhando seu violão,   nos conclama a que nos tornemos, nós também, aquilo que ele, se criança ainda em crescimento, gostaria, um dia, de ser, asseverando de forma enfática e imperativa no verso final: “Hoje é o que o mundo precisa que eu me faça”.

Concluo este breve texto deixando ao leitor a tarefa de desvendar a resposta que daria o autor se ele dissesse o que quer ser quando crescer. É provável que, ao ouvir a resposta, sua história de vida o leve a reflexões que a si próprio surpreenderão, como aconteceu a mim. Acesso: https://youtu.be/RfGZ5fkyXJw

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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