Seria preciso dizer a cada manhã: meu Deus, enviai-me vosso Espírito; que Ele me faça conhecer quem sou eu e quem sois vós.

São João Maria Vianney (Santo Cura d’Ars)

[Blanc, Pierre. Orar 15 dias com o Cura d’Ars. (Tradução José Dutra). – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2000, p. 73. (Coleção Orar 15 dias – 5)

Essa manhã, ao olhar no celular as mensagens de whatsapp, encontrei uma que me surpreendeu. Dizia o seguinte: “Parabéns, Prof. Vasco Arruda, por fazer parte dessa história e ter ajudado a construir um mundo novo para todos nós que passamos pelo nosso querido ICRE. 57 anos de vida!” Li a mensagem umas três vezes, motivado por uma profusão de pensamentos e emoções que me acometeram no momento. Uma mensagem tão simples, mas tão significativa a ponto de me comover tanto. Fora enviada por um ex-aluno que, com o tempo, se tornaria um amigo dileto, o Franzé Freitas. Fiquei um tempão pensando no que escrevera o Franzé. Afinal, quem sou eu para merecer que alguém diga que fiz algo que tenha contribuído para a construção de um mundo novo? O certo é que a frase me impactou bastante, me proporcionando, antes de tudo, a oportunidade para rememorar diversos momentos da minha passagem pelo ICRE, inclusive a forma surpreendente como aconteceu o meu ingresso na instituição.

Tudo começou numa tarde de sábado de maio de 1987, durante um churrasco no apartamento de um casal de amigos. Naquele semestre eu concluiria o curso de psicologia na UFC. Pois bem, de repente chega um dos convidados, o prof. Cauby Ribeiro Tupinambá e, ao me ver, foi logo perguntando: “E aí, Vasco, está preparado pra começar a dar aula quarta-feira?” Achando que fosse uma brincadeira, perguntei: “Como é que é?” Ele respondeu: “Há dias vinha tentando falar contigo. Estou com o meu tempo muito cheio na UFC e não vou poder continuar dando aulas no ICRE. Tinha pensado em propor teu nome para me substituir”. Fiquei atônito. Ele me acalmou e disse que eu não me preocupasse, pois ele me  conhecia e sabia que eu daria conta do recado. Resumindo, na semana seguinte eu comparecia ao ICRE para ser apresentado ao saudoso Mons. Landim e, no mesmo dia, à turma de Dinâmica de grupo.

Como já disse, isso aconteceu em maio de 1987. Acabei permanecendo no ICRE até 2008. Teria muito o que relatar aqui sobre minha trajetória de rica aprendizagem no ICRE, mas não quero me alongar neste texto que tem o propósito apenas de ser uma ligeira homenagem a essa instituição de cujo quadro de profissionais tive o privilégio de fazer parte não por mérito meu, mas pela misericórdia de Deus que supera e extrapola todos os limites que se possa imaginar.

Embora tenha ingressado como alguém que estava sendo convidado para desempenhar a missão de professor, não tenho dúvidas de que, se não aprendi mais do que ensinei, no mínimo, aprendi tanto quanto ensinei. O ICRE era uma instituição de ensino diferenciada. Na verdade, encontrei ali uma família que trabalhava unida em prol de um mesmo objetivo. A propósito do que digo, hoje, pouco depois de ler a mensagem do Franzé, vi a mensagem do Antônio Carlos, no grupo criado por ele no Whatsapp ao qual atribuiu o significativo nome de Unidos pelo ICRE, em que dizia: “Caros amigos, lembro que hoje é aniversário do ICRE. 57 anos. Louvemos a Deus por tantas coisas boas que Ele realizou através do ICRE, com a colaboração de todos nós. E comemoremos. Parabéns a todos nós”. O Antônio Carlos – nosso google, como bem-humoradamente afirmou o Beto -, foi certeiro na escolha da palavra, totalmente aplicável ao ICRE em sua verdadeira acepção etimológica: colaboração. Era isso o que nos caracterizava a todos.

Tudo feito com muita seriedade e dedicação, mas sem nunca faltar um toque que, para mim, era uma das características mais marcantes do nosso querido ICRE: o bom humor. O Mons. Landim de vez em quando se saía com uma anedota que fazia todos rirem, seja nas reuniões de professores, seja em momentos de descontração na secretaria durante o intervalo das aulas. A Maria Luíza, nossa saudosa Malu, sempre com uma boa piada, agora deve estar dando boas gargalhadas ladeada pelo Mons. Landim e pela Ir. Elizabeth. Conversar na secretaria com a Ivoneide e a Cesarina, então, era uma festa. E pra completar, o Dário e o Eliérton, que sempre me tratavam pela pomposa alcunha de “Magister” (não me perguntem de onde eles tiraram isso nem, tampouco, o que significa).

O ICRE tem quase a minha idade, sou apenas dois anos mais velho. Portanto, dois anos após o meu nascimento, era fundada uma instituição onde eu teria o raro privilégio de vivenciar alguns dos momentos mais maravilhosos e marcantes da minha vida. Resta a gratidão a Deus por tanta generosidade, especialmente por poder, hoje, rabiscar esse breve relato pescando alguns fatos e momentos registrados na memória. O motivo é mesmo para comemoração. O ICRE jamais deixará de existir, porque está imortalizado no coração de cada um de nós, pois é esse o terreno em que ele foi edificado.

Não poderia deixar de fazer um último registro. Antes de lecionar no ICRE, nunca havia entrado na vetusta Igreja do Seminário da Prainha. Pois bem, a primeira vez que adentrei aquele recinto sagrado, fui tomado por grande emoção, devido a uma imagem de Cristo no Getsêmani, que ali se encontra exposta. Para mim, trata-se da cena mais marcante do Evangelho. Em nenhuma outra ocasião me sinto tão perto de Cristo. Para mim, é quando a verdadeira humanidade de Cristo se manifesta, ao mesmo tempo em que a sua total disponibilidade ao plano de Deus. Gosto tanto da imagem que me fiz fotografar ao seu lado, e tenho dela fotografias tiradas de diversos ângulos. Desde a primeira vez que a vi, sempre que estava no ICRE e via a Igreja aberta, entrava para fazer uma oração aos pés da imagem. Teria o que falar, ainda, da imagem do santo Cura D’Ars, no centro do jardim, que muito me impressionou, mas vou deixar para outra ocasião.

Gostaria de concluir esse texto no estilo bem-humorado que sempre caracterizou o ICRE, relatando um fato protagonizado por mim quando a Irmã Elizabeth dirigia a instituição. Certo dia, durante o inverno, fui acometido por uma rouquidão exatamente num dia em que deveria dar aula. Liguei para a secretaria a fim de informar que eu não poderia ir. Ao dizer “alô”, respondeu-me do outro lado da linha ninguém menos que a própria Irmã Elizabeth. Informei pra ela o motivo do meu telefonema. Ela me saiu com esta: “Estes cearenses são muito engraçados. Passam o ano inteiro rezando pra chover, mas quando chove todos adoecem logo. Primeiro foi o Beto, que não veio dar aula porque está com dor na garganta; agora é o Vasco, que não vem porque está rouco. Venha para o ICRE! Se não puder dar aula, passe uma atividade para os alunos fazerem, mas venha”. Como diz o ditado popular, pus minha viola no saco e disse apenas um tímido “Está bem”. Pouco tempo depois eu adentrava a sala de aula, com rouquidão e tudo.  

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles