Mas se você disser que tudo se resume ao carnaval/ Vou respeitar o teu despeito/ O casamento perfeito do índio, do branco e do preto/ Fez a gente misturar // O samba com salsa/ Maracatu com valsa/ O carimbó e o chá-chá-chá/ Baião com jazz/ Seu moço vem cá aprender como é que faz/ Seu moço vem cá pra ver como é que faz

Arthur Espíndola

[Arthur Espíndola . CD Tá falado. Faixa 1: Carta ao meu amigo gringo.]

Dia desses me encontrava absorto diante do notebook quando adentra a biblioteca o colega Harley Lopes. Foi chegando e foi dizendo: “Trouxe esse CD pra você escutar. Acho que vai gostar”. Disse que era de “um cantor paraense, jovem e muito bom”.  Tratava-se do CD “tá falado”, de Arthur Espíndola, para mim, até aquele momento, desconhecido.

Mais tarde, a caminho de casa, eu já escutava no som do carro os primeiros acordes da primeira faixa, “Carta ao amigo gringo”, de autoria do próprio Arthur Espíndola. Como se fora uma espécie de apresentação que fizesse de si e de sua música, de cara foi falando da mistura maravilhosa de ritmos que constitui o rico repertório da música brasileira.

Pouco adiante, na terceira faixa, “Tô fora de moda”, dava o recado de quem veio ao mundo pra sambar: “Meu samba eu mando no gogó e ninguém vai mudar”, e,  numa referência explícita aos versos de Dorival Caymmi, completava:   “Eu não sou ruim da cabeça/ nem doente do pé”. E não é mesmo. Ao longo das faixas seguintes, Arthur Espíndola dá conta do recado com muito talento e competência.

“Passista”, composta em parceria com Dudu Neves, que no CD tem a honrosa participação da Velha Guarda da Mangueira, traz os belos e inspirados versos: “Foram tantos os enredos/ Que cantamos no caminho/ Desvendando mil segredos/ Medos, farpas e espinhos/ Mas o véu cobriu as horas/ Quando a vida desandou/ E deixou essa saudade/ Onde havia o nosso amor // Foi cantando aquele samba/ Que notei no teu olhar/ Uma luz um brilho intenso/ Um raio de luar/ Teu sorriso foi certeiro/ Que me tirou do chão/ E passaste a ser passista/ Dentro do meu coração”.

O CD é maravilhosamente concluído com a faixa intitulada “Que seja assim”: “Enquanto eu viver que seja assim/ Saber por que e pra que eu vim/ Quero surpreender principalmente a mim/ Não quero crer que poderei querer/ Mais do que deva ter/ Nem quero adormecer/ Certo de que amanhã serei quem hoje eu fui/ E quando eu morrer que seja assim/ Pois quem vai saber se é mesmo o fim/ E não quero ver ninguém chorar por mim/ No envelhecer do tempo/ Deixo minha voz, tijolo, cimento/ E um bom sentimento/ Pra que um monumento/ Seja erguido dentro de um coração”.

Escutando essa última canção, que soa como uma espécie de testamente que o jovem sambista paraense nos antecipasse, posto que ainda muito jovem e, certamente, com muitos outros projetos musicais a realizar, me ocorreu lhe dizer o seguinte:  Esteja certo de uma coisa, caro Arhutr: tirante outras tarefas que a vida eventualmente lhe reserve, uma nobre missão lhe foi destinada: alegrar e encantar os corações com as notas melódicas e os inspirados versos desse estilo musical que Toninho Nascimento,  com muita propriedade, denominou  “samba amazônico”, e que eu completaria: um samba de delicioso sabor e pleno de revigorante energia como o bom açaí paraense.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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