E a saudação não nos falta / “Bom dia” vamos dizer / Que todos sejam felizes, / No novo amanhecer. // São coisas simples do dia / Que acabam por nos falar / Que a alegria da vida, / Na simplicidade, vai estar.

Irene Bessa Luz

[O amanhecer onde moro. In: Irene Bessa Luz; Evan Bessa. Isoladas na trilha da poesia. 1ª. ed. – Fortaleza: Edição independente, 2022, p. 10.]

Semana passada, ao chegar à biblioteca do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, onde trabalho, vi ao lado do birô de um colega um livro cujo título me aguçou a curiosidade: Isoladas na trilha da poesia. Peguei o livro, cuja capa logo me encantou, pela beleza estética, na qual estava estampado o título das autoras, Irene Bessa Luz e Evan Bessa.

Depois de olhar o sumário e dar uma rápida folheada, resolvi tomar o livro emprestado para ler em casa. À medida em que lia os poemas da primeira parte, de autoria de Irene Bessa Luz, fui me deixando cativar tanto por sua simplicidade quanto pelas perspectivas de fé, esperança e otimismo assumidas pela autora em relação à vida. Já no primeiro poema, intitulado O amanhecer onde moro, ela dá o tom do que viria a seguir, ao convidar a todos para que sejam felizes e cultivem a alegria por meio das coisas simples da vida, como se pode constatar pelas duas estrofes citadas em epígrafe a este texto.

No primeiro verso do poema intitulado Fé, afirma: “A fé é uma força viva / Que da mente vem surgir, / Levando o pensar hipotético / como verdade a existir” (p.77) E mais adiante, em outra estrofe: “A vida sem fé é vazia / Sem rumo o caminhar / Sem metas e sem destino / Sem a esperança visar” (p.79) Nestes trechos estão reunidas duas das três virtudes teologais: a fé e a esperança. Atente-se para a profundidade da primeira estrofe, quando a autora afirma que a fé transforma uma hipótese em verdade. Eu arriscaria dizer que, nesses versos, a autora expressou de forma muito simples e singela uma das maiores premissas teológicas, pois, pela fé, se acredita naquilo que é afirmado como verdade muito mais de forma hipotética do que fatual. Entretanto, ao fazê-lo, a convicção fundamentada na fé transforma a suposta hipótese em verdade que se faz ato, pois se trata de uma “verdade a existir”. Vivenciar essa verdade é condição indispensável para manter acesa a chama da esperança, conforme expressa na outra estrofe citada.

A terceira virtude teologal, a caridade, também está presente nos poemas de Irene Bessa. Em A partilha, escreve: “O repartir nos une / Numa visão da verdade / Ajuda-nos a antever / Do eterno a felicidade. // Não vale guardar riquezas / Que não iremos levar / Mas saber usá-las de modo / Que aos outros venham ajudar” (p. 63-64).

Na poesia de Irene Bessa estão presentes as lembranças de infância, a família, as virtudes teologais, a gratidão e tantos outros aspectos da vida que, fosse enumerá-los todos, teria ainda muito o que escrever. Apenas gostaria de destacar mais um aspecto de sua poesia, as metáforas, que a autora usa com muita propriedade. Um dos melhores exemplos disso é o poema A ponte, em que ela fala da travessia do açude do cedro. Depois de falar da travessia da ponte, ela se vale de forma primorosa e com maestria de uma metáfora para falar de outras pontes, que não as de tijolo e ferro: “Por tudo o que achei de belo / E estava a me agradar / Agradeci ao Eterno / Pela ponte, o atravessar.  // Ela tornou-se importante / Pois veio proporcionar / A visão do grande açude / E a sua beleza mostrar. / E passei a refletir / Vamos na vida encontrar / Muitas pontes que nos levam / A um destino alcançar. (p. 59). E conclui convidando-nos a que nos tornemos ponte para os outros: “Precisamos também ser ponte / No viver, no caminhar / Aquela que ajuda o irmão / Ao outro lado chegar. (p.61).  

Passando à segunda parte do livro, dedicado aos poemas de Evan Bessa, me pareceu ficar bem patente uma mudança de perspectiva. Nesse caso, sobressaem temáticas de cunho acentuadamente existencial. O tom é dado logo no primeiro poema, que tem o sugestivo título de Almas corroídas: “O sal do mar corrói as almas / Que sofrem dor e se lamentam / Na imersão do oceano de mágoas / Daquelas que sofrem porque amam.  // Na agitação das ondas gigantes / O vento leva todos os dissabores / E sentimentos de hoje e de antes / o mar salga e dá sabores.  // A força das águas em turbilhão / Escondem silêncios e mistérios / Netuno e suas ninfas ouvirão / Sempre queixas e impropérios” (p. 82). Devo salientar que, como cultor da astrologia, gostei particularmente do penúltimo verso da última estrofe, pois estamos atravessando um ciclo netuniano muito importante, devido à grande conjunção entre Netuno e Júpiter no signo de peixes, que deverá acontecer dia 12 de abril deste ano.

Ainda dentro dessa perspectiva existencialista, digamos assim, com versos que deixam antever alguém que perscruta em profundidade os meandros obscuros do ser, gostaria de destacar uma estrofe do poema Resgate, em que a autora escreve: “Uma cachoeira inunda meu pensamento / De pedaços de vida, pequenos, inusitados / Que me deixa, às vezes, intrigada / Como uma estrela perdida no firmamento” (p. 104).

O ser mulher também tem destaque nos versos de Evan Bessa. A propósito, destaco a primeira e a última estrofes do poema Mulher guerreira: “Guerreira sem usar lança, / Defende a paz e o amor / Não pratica a vingança, / Sua luta é com destemor.  // Mulher, Rainha, Tigresa, / Às vezes frágil, às vezes valente / Contraditória, de fases e beleza, / Cristal fino, porém resistente: / MULHER, MULHER…” (p.103)

E como que num registro indelével da circunstância da qual resultou o livro, destaco duas estrofes do poema Desencanto: “De repente, o riso fez-se pranto / Covid-19 disseminou-se como pólvora, / E a população em sua casa, sem alento, / Valeu-se de protetores – seus Santos.  // De repente, o riso fez-se pranto / Silêncio e reflexão, então, reinaram / Da quarentena, ninguém escapou / E o homem passou a viver em desencanto” (p. 91).  

Quanto às autoras, transcrevo dois pequenos perfis biográficos.

Irene Bessa Luz, nascida no ano de 1936 em Quixadá, Ceará, registrada, porém, em Beberibe, Ceará. Casada com Jonas de Araújo Luz (in memoriam), com quem teve quatro filhos: Jonas Junior, Francisco Alexandre, Carlos Daniel (in memoriam) e Ana Patrícia. Formada em Serviço social pela Universidade Estadual do Ceará, com pós-graduação em Orientação Educacional pela Faculdade de Filosofia do Ceará. Exerceu o magistério junto ao Colégio Christus, ao Instituto Cristo Rei dos Padres Jesuítas e à Universidade Estadual do Ceará –  UECE. Foi orientadora Educacional do Colégio Estadual Liceu do Ceará por treze anos, sendo convocada para ocupar diferentes cargos junto às Secretarias de Educação e Saúde do Governo Estadual, atuando principalmente no campo do Serviço Social das duas Secretarias.

Evan Bessa, formada em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), com Especialização em Literatura Luso-Brasileira e Metodologia da Pesquisa em Educação pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Publicou 20 livros: infantis, poesias, crônicas e ensaios biográficos. Pertence às seguintes entidades literárias: Academia Fortalezense de Letras – AFC, Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, Academia Canideense de Letras, Artes e Memórias – ACLAME, Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil – AJEB, Rede de Escritoras Brasileiras – REBRA, Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil.

Resta falar da capa do livro, que, se a princípio me encantou bela beleza estética, somente após a leitura da obra eu atinaria com a densa dimensão simbólica expressa nas imagens. Defronte a um muro de pedras, destaca-se um banco vazio. Acima do muro, dois pássaros alçam voo. As duas autoras, pensei ao contemplar a bela imagem, poderiam ter se resignado a passar a pandemia sentadas naquele banco, impedidas que estavam de se locomover pelas restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Mas, contrariando essa hipótese, elas fizeram da poesia sua carta de alforria, e, feito dois pássaros livres, abriram as asas e ganharam a imensidão do espaço celeste esparzindo em versos seu canto poético. Jonas Luz Jr., a quem se deve a arte da capa, foi agraciado com muita inspiração e um maravilhoso insight quanto à escolha da imagem, inclusive no que concerne às cores. A parte interna do recinto, um tanto sombria, que remete à ideia de contenção e privação da liberdade, contrasta com a claridade do céu onde adejam as asas dos dois pássaros já em pleno domínio do espaço celeste. Perfeito!

Concluindo, a lição que nos deixam as autoras é que, enquanto muitos transformaram as restrições impostas pela pandemia em um calabouço no qual se confinaram, entregando-se à amargura e ao desolamento, ambas, ao contrário, tiveram o condão de transformá-la em arte, transmitindo uma imagem poética de fé e esperança. Deixo aos leitores duas últimas belas estrofes emanadas da pena das autoras. A primeira, uma estrofe do poema Os nós da vida, da autoria de Irene Bessa Luz; a segunda, uma estrofe do poema Ressurreição, da autoria de Evan Bessa.

“Transmudemos os nossos NÓS / Em laços que envolvam a vida, / Fazendo com que ela seja / Feliz e bem colorida” (p. 57).

“Agora, ressurge um novo tempo / De buscas; sonhos e fantasias… / Sintetiza desejos soprados ao vento / Que meu mundo culmina em alegrias” (p. 105).