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12. E vós, quem dizeis que eu sou?

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Vasco Arruda

A liberdade de Jesus impressionou tanto os seus contemporâneos, a ponto de um fariseu elogiá-lo, dizendo: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não dás preferência a ninguém, pois não consideras o ser humano pelas aparências…” (Mc 12,14). Essa liberdade tem a sua fonte e está arraigada na união de Jesus com o Pai. Ele afirma que o Pai está n´Ele e Ele no Pai. Essa identificação confere-lhe autoridade para realizar a obra do Pai e assumir essa atitude de liberdade face ao poder religioso e político que deturpa a imagem de Deus (Jo 10,22-39).
Jesus não só se revela como um homem livre em seu modo de ser e agir, mas, ao mesmo tempo, assume uma atitude libertadora em relação às pessoas com as quais entra em contato. Ele é fautor de liberdade, tornando as pessoas livres. Liberta, antes de mais nada, de uma concepção mistificadora e deturpada de Deus. A religião muitas vezes foi usada como garantia de relações sociais injustas e para defender interesses de grupos. A visão religiosa servia para justificar privilégios. Nada oprime mais do que um deus opressor. Jesus vem libertar de um deus imaginário construído pela mão do ser humano e revelar a verdadeira face amorosa de Deus. A ternura divina revelada no agir de Jesus liberta de todos os temores que se possa ter em relação a Deus. As curas milagrosas de doentes, as refeições com publicanos e pecadores, a acolhida de prostitutas são expressões da ternura que libertam das condenações e discriminações fundadas na religião.
[Junges, José Roque. A Ética de Jesus e os Cristãos. In: Aquino, Marcelo Fernandes de (organização de). Jesus de Nazaré, profeta da liberdade e da esperança. – São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1999, p. 227.]

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Vasco Arruda

Quem é Jesus para a comunidade joanina? É o “filho de José, de Nazaré” (Jo 1,45), aparentemente insignificante (1,46), vivendo a vida do profeta rejeitado. A comunidade lembra os “sinais” desse profeta, suas credenciais, que não foram reconhecidas (12,37). Se houve alguma “suspeita” de que ele fosse o Messias, isso não era entendido no sentido certo; não era entendido no sentido de um revelador do rosto de Deus, mas de um Messias nacional, um “salvador da pátria” (6,14). O próprio termo “Messias” ou “Cristo” não é muito importante para João. Mais importante é o título de “Filho do Homem”, que sugere a origem celeste e o papel de vencer as potências do mundo (Dn 7,13-14).
O mais importante, porém, é ver em Jesus o Filho, sem mais: o Filho de Deus que por amor se põe a serviço da vontade salvífica do Pai (Jo 3,16). Porque ele sabe que o Pai o ama, ele também ama os seus até o fim (Jo 13,1; 15,9-12), deixando-lhes seu exemplo e a missão de amor do mesmo jeito.
A situação de opressão, em vez de ser uma razão de desespero, torna-se assim um desafio ao amor fraterno e à resistência contra as forças sedutoras e dispersivas que têm o nome de Satanás, Diabo, Apolião… A contemplação da glória conferida ao Filho – Cordeiro imolado, entregando a vida pelos seus – e a presença de seu Espírito sustentam na comunidade a vida verdadeira e definitiva que possuem aqueles que trilham seu caminho.
Johan Konings
[Konings, Johan. Cristologia na Comunidade Joanina. In: Aquino, Marcelo Fernandes de (organização de). Jesus de Nazaré, profeta da liberdade e da esperança. – São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1999, p. 71.]

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Vasco Arruda

Jesus é a última, a mais aguda, (a mais definida) expressão da fidelidade de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas. Ele é a PALAVRA que aclara todas as demais.
A penetração e sua morada na ambiguidade humana e nas mais densas trevas são fidelidade de Deus. (E apesar dessa penetração, a sua visão é de integral obediência ao Deus fiel).
Ele se põe como pecador perante os pecadores; submete-se inteiramente ao juízo a que o mundo está sujeito. Ele se situa lá onde só Deus pode estar presente: na indagação que se faça a respeito de sua existência. Toma a forma de servo. Na morte, vai até a cruz.
No apogeu, no píncaro de sua trajetória terrena é ele uma grandeza puramente negativa; de forma nenhuma é genial; de maneira nenhuma é portador de forças psíquicas, quer manifetsas, quer ocultas.
Não é nem herói, nem líder, nem poeta, nem pensador, e nesta absoluta negação (meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?) ele apresenta o impossível “mais”.
Ele sacrifica a outro, invisível, todas as qualidades e possibilidades humanas que sejam imagináveis: genialidade, forças psíquicas, heroísmo, estética, filosofia.
Karl Barth
[Barth, Karl. Carta aos Romanos. De Karl Barth por Koller Anders, segundo a quinta edição alemã (impressão de 1967). Tradução Lindolfo Anders; revisão Anisio Justino. São Paulo: Fonte Editorial Ltda., 2005, p. 146.]

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Vasco Arruda

Contemplar em atitude de oração o Jesus da história em quem o cristão acredita que Deus estava vivendo humanamente é olhar com toda profundidade para as mais plenas possibilidades do ser humano. A ênfase da humanidade de Jesus, que é uma recuperação feita pela cristologia contemporânea, é a correção a uma superênfase dada à divindade de Cristo, e de uma maneira de se ver Cristo somente pela perspectiva de sua divindade. A teologia especulara sobre o que era apropriado a Deus e então pressupõe esses mesmos atributos em Jesus, eliminando efetivamente quase todos os vestígios de seu ser humano, em todo sentido verdadeiro da palavra. Esse Jesus não podia ficar doente, não podia crescer em santidade, tinha a previsão exata de cada evento e gozava da visão beatífica mesmo em sua condição terrena.
Estudos críticos das Escrituras distinguem uma perspectiva pós-ressurrecional por parte dos autores dos evangelhos. Precisamos distinguir, meditando sobre Jesus, esses elementos verdadeiros embora interpretativos, nos quais os primeiros cristãos tentaram conceituar e verbalizar suas extraordinárias experiências com essa pessoa. Se pudéssemos estar ao lado deles em seus encontros com Jesus, poderíamos facilmente apreciar a beleza das mitologias inspiradas que surgiram a partir do processo primário de pensamento tanto de Jesus quanto de seus primeiros discípulos, e que foram preservadas para nós nas preciosidades que compreendem o Novo Testamento. Ao mesmo tempo, se conseguirmos distinguir essas mitologias, elas não precisarão obscurecer a verdadeira humanidade de Jesus, nem o paradoxo que ele encarna.
Anne Brennan e Janice Brewi
[Brennan, Anne e Brew, Janice. Meia-idade e vida: oração e lazer, fontes de um novo dinamismo. 2ª. ed. Tradução Isa F. Leal Ferreira; revisão Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 1991, p. 125. – (Col. Amor e psique).]

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Vasco Arruda

Naqueles dias, eu era um daqueles que desceram de Nazaré para ser batizado por João, nas águas do Jordão. Segundo o Evangelho de Marcos, em minha imersão, os céus se abriram, ví “um espírito sob a forma de uma pomba, descendo” e uma voz poderosa disse: “Você é o Meu filho amado e em ti Eu me sinto bem satisfeito.” Então, o Espírito me conduziu ao deserto, onde permaneci durante quarenta dias, e onde Satã veio me tentar.
Porquanto não diria que as palavras de Marcos sejam falsas, elas contêm muito exagero. E mais ainda as de Mateus, e Lucas, e João, que me atribuíram frases que nunca proferi, descrevendo-me como amável, quando eu estava pálido de ira. Eles escreveram muitos anos depois de minha partida, apenas repetindo o que escutaram de homens mais velhos. Muito velhos, mesmo. São histórias tão sem fundamento quanto um arbusto desprendido de suas raízes e que vagueia ao léu, tangido pelo vento.
Portanto, farei meu próprio relato. Aos que eventualmente perguntarem de que modo minhas palavras chegaram a esta página, dir-lhes-ei tratar-se de um pequeno milagre – meu evangelho, afinal, falará de milagres. Contudo, minha expectativa é chegar tão perto da verdade quanto possível. Marcos, Mateus, Lucas e João buscavam aumentar seu rebanho. E o mesmo vale para outros evangelhos, escritos por outros homens. Alguns desses escribas só falariam aos judeus que se prontificaram a me seguir após a minha morte, e alguns pregaram apenas para os gentios, que odiavam os judeus, embora tivessem fé em mim. Posto que cada um empenhava-se no fortalecimento da sua própria igreja, como poderiam não misturar o que era verdade com o que não era? Todavia, como de todas essas igrejas somente uma prevaleceu, e essa escolheu apenas quatro evangelhos, as demais foram condenadas por igualar “palavras imaculadas e sagradas” a “mentiras descaradas”.
Tivessem sido escolhidos quarenta, em vez de quatro, nem assim se daria conta da verdade, que pode estar conosco, num lugar, e enterrada em outro. Por conseguinte, o que vou contar não é uma história simples, nem sem surpresas, mas verdadeira, pelo menos considerando tudo aquilo de que me lembro.
Norman Mailer
[Mailer, Norman. O Evangelho Segundo o Filho. 3ª. ed. – Tradução de Marcos Aarão Reis e Valéria Rodrigues. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 7.]

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Vasco Arruda

Que pessoa é então Jesus Cristo? O conhecimento revelado diz que é a segunda pessoa da Santíssima Trindade: “nascido do Pai antes de todos os séculos”, “Luz de Luz”, “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro” – pessoa divina que une em Si, hipostaticamente, uma natureza de Deus e uma natureza de homem. Mas o mero conhecimento racional e científico diz que a personalidade de Jesus Cristo é excelente sobre todas as personalidades humanas de que há notícia e, por isso, em todas as épocas e latitudes, continua a ser estudada e venerada até por muitos que não se proclamam da Sua doutrina.
Assim, a cultura não para de buscar o esclarecimento desta figura de milagre: a literatura, as belas-artes, a música, o cinema, a teologia, a filosofia, a história com suas modernas técnicas e ciências afins, a cada passo aprofundam a realidade de Jesus Cristo, procurando quantas vezes desvendar o mistério pelo estudo da “pessoa e sua circunstância” e deixando-nos sempre a igual lonjura do mistério, para concluir que, só quando o estudo é ato de fé, estamos em condições de ver essa “Luz do Mundo”, que também Se afirmou Caminho, Verdade e Vida.
Prof. Doutor José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S.J.
[Prof. Doutor José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S.J.. “Uma história dentro da história”, texto de introdutório ao livro de Dante Alimenti, Seguindo a Jesus. Volume 1. Editorial Verbo, 1991, p. 4.]

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Vasco Arruda

Evidentemente Jesus existiu – assim como Ulisses e Zaratustra, e pouco importa saber se viveram fisicamente, em carne e osso, numa época precisa num lugar identificável. A existência de Jesus não é de modo nenhum comprovada historicamente. Nenhum documento contemporâneo do acontecimento, nenhuma prova arqueológica, nada de certo permite concluir hoje pela verdade de uma presença efetiva na articulação dos dois mundos abolindo um, nomeando o outro.
Não há túmulo, não há sudário, não há arquivos, com exceção de um sepulcro inventado em 325 por santa Helena, mãe de Constantino, muito dotada, pois também se deve a ela a descoberta do Gólgota e a do titulus, pedaço de madeira que traz o motivo da condenação. Um pedaço de tecido que a datação por carbono 14 atesta datar do século XIII de nossa era e que só um milagre poderia fazer com que envolvesse o corpo de Cristo mais de mil anos antes do cadáver putativo! Finalmente, três ou quatro vagas referências muito imprecisas em textos antigos – Flávio Josefo, Suetônio e Tácito -, certamente, mas em cópias feitas alguns séculos depois da suposta crucificação de Jesus e principalmente bem depois do sucesso de seus turiferários…
(…)
Quem é o autor de Jesus? Marcos. O evangelista Marcos, primeiro autor do relato das aventuras maravilhosas do denominado Jesus. Provável acompanhante de Paulo de Tarso em seu périplo missionário, Marcos redige seu texto por volta de 70. Nada prova que ele tenha conhecido Jesus em pessoa, é óbvio! Um contato franco e claro teria sido visível e legível no texto. Mas não se convive com uma ficção… Apenas se credita a ela uma existência à maneira do espectador de miragem no deserto que acredita na verdade e na realidade da palmeira e do oásis vislumbrados no calor abrasador. O evangelista conta então na incandescência histérica da época a ficção sobre a qual afirma toda a verdade, de boa-fé.
Michel Onfray
[Onfray, Michel. Tratado de ateologia: física da metafísica. Tradução Monica Stahel. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 97 e 103]

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Vasco Arruda

Jesus não pode pensar em Deus sem pensar em seu projeto de transformar o mundo. Nunca separa Deus de seu reino. Não o contempla fechado em seu próprio mundo, isolado dos problemas das pessoas; sente-o comprometido em humanizar a vida. Os sacerdotes de Jerusalém o vinculam ao sistema cultual do templo; os setores fariseus o consideram fundamento e garantia da lei que rege Israel; os essênios de Qumram o experimentam como inspirador de sua vida pura no deserto. Jesus o sente como a presença de um Pai bom que está se introduzindo no mundo para humanizar a vida. Por isso, para Jesus, o lugar privilegiado para captar Deus não é o culto, mas lá onde se vai tornando realidade seu reino de justiça entre os homens. Jesus capta Deus no meio da vida e o capta como presença acolhedora para os excluídos, como força de cura para os enfermos, como perdão gratuito para os culpados, como esperança para os esmagados pela vida.
José Antonio Pagola
[Pagola, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Tradução de Gentil Avelino Titton. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 387]

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Vasco Arruda

Jesus não veio destruir a lei, o que quer dizer: a lei de Deus. Ele veio cumpri-la, ou seja, desenvolvê-la, dar-lhe o seu verdadeiro sentido e apropriá-la ao grau de adiantamento dos homens. Eis por que encontramos nessa lei o princípio dos deveres para com Deus e para com o próximo, que constitui a base de sua doutrina. Quanto às leis de Moisés propriamente ditas, ele, pelo contrário, as modificou profundamente, no fundo e na forma. Combateu constantemente o abuso das práticas exteriores e as falsas interpretações, e não podia fazê-las passar por uma reforma mais radical do que reduzindo-as a estas palavras: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”, e ao acrescentar: “Esta é toda a lei e os profetas”.
Por estas palavras: “O céu e a terra não passarão, enquanto não se cumprir até o último jota”, Jesus quis dizer que era necessário que a lei de Deus fosse cumprida, ou seja, que fosse praticada sobre toda a Terra, em toda a sua pureza, com todos os seus desenvolvimentos e todas suas consequências. Pois de que serviria estabelecer essa lei, se ela tivesse de ficar como privilégio de alguns homens ou mesmo de um só povo? Todos os homens, sendo filhos de Deus, são, sem distinções, objetos da mesma solicitude.
Mas o papel de Jesus não foi simplesmente o de um legislador moralista, sem outra autoridade que a sua palavra. Ele veio cumprir as profecias que haviam anunciado o seu advento. Sua autoridade decorria da natureza excepcional do seu Espírito e da natureza divina da sua missão. Ele veio ensinar aos homens que a verdadeira vida não está na Terra, mas no Reino dos Céus; ensinar-lhes o caminho que os conduz até lá, os meios de se reconciliarem com Deus, e os advertir sobre a marcha das coisas futuras, para o cumprimento dos destinos humanos. Não obstante, ele não disse tudo, e sobre muitos pontos limitou-se a lançar o germe de verdade que ele mesmo declarou não poderem ser então compreendidos. Falou de tudo, mas em ternos mais ou menos claros, de maneira que, para entender o sentido oculto de certas palavras, era preciso que novas ideias e novos conhecimentos viessem dar-nos a chave. Essas ideias não podiam surgir antes de um certo grau de amadurecimento do espírito humano. A ciência devia contribuir poderosamente para o aparecimento e o desenvolvimento dessas ideias. Era preciso, pois, dar tempo à ciência para progredir.
Allan Kardec
[Kardec, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo. São Paulo: Editora Três, 1973, p. 63. (Biblioteca Planeta; 3)]

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Vasco Arruda

Uma das recordações da minha adolescência é a de ter lido um livro chamado História Popular de Jesus. Se a memória me não falha, o livro era uma tradução do francês e trazia ao fundo da capa o nome de Coimbra Editora. A Coimbra Editora – vim a sabê-lo mais tarde – era a livraria que editava tratados dos lentes da Universidade e outros livros igualmente importantes.
Devorei esse livro – é o termo – sentado na cama, à luz do meu candeeiro de petróleo. Foi esse o meu primeiro contacto com livros que falavam de Jesus. Depois, ao longo da vida, li muitos outros sobre o mesmo tema. Essas leituras punham-me problemas. E o primeiro era o seguinte: mas quem é, afinal, esse Jesus de Nazaré? Queria parecer-me que a orientação da minha vida – e até a opção fundamental que nela havia de fazer – estava dependente da resposta a esta pergunta.
Claro que li também a Vida de Jesus, de Renan, que a Chardron se apressou a traduzir para a nossa língua, pouco tempo depois de ela ter aparecido no original francês. Admirava o estilo sedutor do antigo escolar de S. Sulpício, mas eu tinha a intuição que ali falhava alguma coisa de essencial. Se Jesus de Nazaré era apenas o “doce Rabi da Galileia” – como Renan gostava de dizer – , amigo das crianças, dos pobres e dos pecadores, que era feito das palavras que ele dissera sobre si mesmo (Eu sou o senhor do Sábado, e outras semelhantes) e sobre o seu Pai celeste, dos milagres que fizera? E, sobretudo, como explicar a fé dos primeiros discípulos em que ele, depois de morto – e bem morto -, havia ressuscitado? Alucinação coletiva da parte deles? Ou, então, o amor apaixonado de Maria Madalena, que tinha confundido Jesus com o jardineiro e incutira nos discípulos a ideia de que ele estava vivo?
Mas, ao meu espírito, tudo isso parecia fantasioso. Passar o lápis azul sobre os milagres de Jesus como se não pertencessem à história, mas fossem formações lendárias – à maneira do Sansão bíblico ou da pedreira de Aljubarrota -, era enveredar por caminhos mais inverossímeis do que o da aceitação dos milagres, designadamente o da ressurreição de Jesus. Quando se parte do princípio de que “Deus não existe” e de que, consequentemente, “os milagres são impossíveis”, fica o campo aberto para aceitar todas as acrobacias do espírito, mesmo que estas contradigam o testemunho histórico e rocem pelo absurdo.
Nunca mais deixei de ler livros sobre Jesus. E cada vez se acentuou mais no meu espírito que o crente tem na mão a única chave que dá na fechadura; que as outras chaves (sejam elas a da escola crítica – à maneira de Renan – ou da escola mítica – segundo o modelo de Strauss) – têm ranhuras diferentes que não se adaptam á fenda da fechadura; que, negando dados históricos incontestáveis, se torce a chave e, com a chave assim torcida, não se consegue abrir a porta…
Manuel de Almeida Trindade, Bispo emérito de Aveiro
[Trindade, Manuel de Almeida. “Uma história popular de Jesus”, texto introdutório ao livro de Dante Alimenti, Seguindo a Jesus. Volume 1. Editorial Verbo, 1991, p. 2.]