“É uma profissão que está na mira pra ser extinta”, analisa de forma implacável a compositora carioca Joyce. Apresentando pela primeira vez no Brasil, mais precisamente em Guaramiranga (dia 5), seu disco Samba Jazz & Outras Bossas, ela desabafa na faixa Compositor, escrita ao lado de Paulo César Pinheiro, as dificuldades da profissão. “É uma pedreira, como diz a letra. É como se você fosse a um restaurante e saísse sem pagar”, arremata.

Samba Jazz & Outras Bossas é o 40º título de sua discografia, incluindo as muitas versões para o mercado internacional, iniciadas em 1984 com Tardes Cariocas. Este último lançamento, inclusive, saiu primeiro em 2007 pela inglesa Far Out e só em 2010 pela carioca Biscoito Fino. A diferença de tempo ela explica que foi uma exigência contratual com a primeira gravadora. “Quando se lança por uma gravadora internacional eles pedem um tempo de carência antes de lançar no Brasil. Isso porque, quando sai aqui, rapidamente eles são vendidos lá e com um preço muito mais baixo, que fica difícil a concorrência”. A demora também se explica pelo bom resultado de Slow Music, lançado em 2009, com indicação ao Grammy Latino e música em novela.

“Aqui no Brasil, a vida útil do Samba Jazz & Outras Bossas começa agora. Era pra ter sido lançado em outubro, mas teve um atraso na fábrica e só está saindo agora”, conta Joyce por telefone. Assinado em parceria com o baterista e marido Tutty Moreno, o disco segue uma veia mais jazzy, que tem falado mais alto em seus últimos trabalhos de Joyce. Tal qual explicitado no título do trabalho, as faixas seguem a batida híbrida de samba e jazz, lançada nos anos 60 por grandes nomes como Dom Um Romão e JT Meireles. É nesse estilo que o casal desfila peças instrumentais (Penalty), regravações (Devagar com a louça) e canções novas (Bodas de vinil).

Esta última canção, aliás, celebra junto com o disco os 30 anos de casamento de Joyce e Tutty. O clima samba jazz, que permeia todas as 14 canções, foi uma forma de relembrar o som que eles escutaram durante a adolescência. Tanto que eles aproveitam o momento para homenagear alguns expoentes do gênero, a começar pelo violonista Garoto (Aníbal Sardinha), que dá nome a uma canção que aparece em versões cantada e instrumental. “Garoto pra mim foi uma referência muito importante como violonista. João Gilberto, confessamente, também teve influência dele”. Outros nomes que aparecem são os de Moacir Santos, com a regravação de April Child (lançada em 1972 no disco The Maestro), e Tenório Jr, com a regravação de Embalo, tirada do único disco do pianista carioca desaparecido na Argentina em 1976. Confundido com um terrorista, Tenório foi sequestrado por homens que trabalhavam para o regime militar e, em seguida, assassinado. “Tenório foi um companheiro que teve uma morte imerecida, um desaparecido político sem nunca ter feito política”.

Após o show em Guaramiranga, neste sábado (5), Joyce e Tutty Moreno levam seu Samba Jazz & Outras Bossas para a Europa, onde encontram aceitação melhor para seu trabalho do que no Brasil. “Nossa relação com o Brasil está ótima, mas dentro do nosso espaço. Trabalha bastante aqui, mas dentro dos nossos limites territoriais”, lamenta em tom de brincadeira a cantora que, em mais de 40 anos de carreira, ainda não levou seu show a algumas cidades brasileiras, como Manaus. Os motivos para tal são muitos. Passa pelas rádios, sempre limitadas em seu repertório, passa pelo público, acomodado sem exigir mais, passa pelo País, que faz questão de confirmar a velha frase do genial Tom Jobim: “a principal porta para o artista brasileiro é a do aeroporto”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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