A realização do Enem em meio à pandemia de covid-19 significa “um fortalecimento da desigualdade social no Brasil”, diz especialista Ademar Celedônio.

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Nas redes sociais, estudantes pedem o adiamento da prova. Foto: Twitter

O Ministério da Educação publicou no dia 31 de março o edital para a edição de 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No entanto, a decisão do governo de manter o Enem em meio à pandemia de covid-19 tem levantando fortes discussões sobre os prejuízos aos estudantes brasileiros. As inscrições para o Enem deste ano começam no dia 11 de maio. A aplicação da versão digital está marcada para os dias 11 e 18 de outubro; a impressa, para os dias 1º e 8 de novembro.

Muitas são as justificativas, mas a principal defendida por especialistas e instituições é a de que a realização do Enem pós-quarentena

deverá ampliar as desigualdades entre os estudantes do Ensino Médio de todo o país para o acesso às instituições de Ensino Superior”, é o que diz o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

A entidade que representa as secretarias estaduais de educação também afirma que, “mesmo considerando as soluções e ferramentas que estão sendo implantadas nas redes privadas e públicas para minimizar as perdas do período de suspensão das aulas presenciais, elas não chegarão para todos os estudantes brasileiros, especialmente os mais carentes.”.

E o Consed tem boas razões para tal posicionamento. Segundo pesquisa divulgada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES),

30% dos brasileiros não têm acesso à internet, 43% das escolas rurais não têm infraestrutura tecnológica e 52% das famílias mais pobres (renda de até 1 salário mínimo) não têm acesso à web.

Tais números reforçam que os estudos on-line não atingem todos os estudantes, principalmente os da rede pública, que muitas vezes dependem da infraestrutura da escola até para fazer a inscrição nos exames vestibulares.

Por sua vez, o Ministério da Educação defende a manutenção do calendário e, por meio de nota, aborda alguns pontos reforçando que “o Inep está buscando garantir sua execução adequada, não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas, principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira. Inclusive, com o Enem Digital é oferecida à sociedade mais de uma aplicação durante o ano.”

Entrevista com especialista

 

ademar celedônio

Ademar Celedônio atua em empresa privada e é especialista em Educação Básica

O consenso entre agentes da sociedade é o adiamento do Exame . Consequentemente, os estudantes voltariam à sua rotina e teriam tempo de se preparar para o momento mais importante da sua vida escolar. Dentre os defensores desse adiamento, está o Diretor de Ensino e Inovações Educacionais do SAS Plataforma de Educação, Ademar Celedônio.

O Professor Ademar, especialista em políticas públicas e em exames de larga escola no Brasil e no mundo, defende que, diante de tantas discrepâncias na educação brasileira, o Enem seja adiado em, pelo menos, 45 dias. Confira a entrevista:

Doc.Edu: Por que o ENEM precisa ser adiado?

Prof. Ademar Celedônio: Não só no Brasil, mas em todo o mundo, a gente está vendo os fechamentos de todas as escolas. A rede particular consegue resolver rápido os problemas de deficiência e de falta de aulas físicas, então de um modo geral o estudo remoto está satisfatório.

Já a rede pública está ainda engatinhando nesse fator. Há algumas iniciativas legais de algumas secretarias estaduais, como a de São Paulo, que está colocando aula para esses alunos. Mas, de uma maneira geral, há um descompasso entre o aluno da escola pública e o aluno da particular também nessa questão do ensino remoto.

Então é importante se pensar num adiamento da prova do Enem. Dessa forma, quando as aula voltarem, pelo menos se tenha mais tempo para o aluno da escola pública alcançar esses objetivos, tenha o mesmo número de horas estudadas… isso talvez não tendo mais nenhum dia de férias, talvez suprimindo alguns feriados, talvez tendo mais aulas durante cada dia…

Julgo necessário fazer um adiamento do Enem, até pensando no que está acontecendo em alguns países.

O Enem chinês, o Gaokao, foi adiado em um mês; enquanto que o Enem francês, Baccalauréal, pela primeira vez na sua história não vai acontecer, os alunos vão ser selecionados pelas notas que tiveram nas escolas, na época do presencial.

O governo francês entendeu que não tinha tempo hábil para deixar todo mundo preparado de forma igualitária fazendo essa avaliação. Por isso, eles usaram o processo mais simples possível, que são as notas que as escolas deram para seus alunos.

Doc.Edu: Qual seria a nova data ideal para isso?

Prof. Ademar: É difícil definir, mas pelo menos uns 45 dias após a aplicação, algo por volta de 20 de dezembro seria uma data razoável. Gosto de lembrar que, como as universidades públicas também estão fechadas nesse momento para suas aulas e a maioria não está atribuindo atividades remotas, é muito provável que esse semestre seja adiado para o segundo e o segundo de 2020 seja adiado para o primeiro de 2021.

Então não tem tanta pressa de se fazer o Enem, uma vez que ele serve para selecionar alunos para o Ensino Superior de instituições públicas. Imagina: eu tenho Enem em novembro, o resultado sai em janeiro, mas esse aluno provavelmente só vai começar suas aulas em abril, como se o semestre estivesse começando por conta desse fechamento. Então, poderia sim fazer o Enem em dezembro ou janeiro.

Doc.Edu: Quais os principais impactos com a manutenção do ENEM neste ano?

Prof. Ademar: Os alunos da escola pública e da escola particular já concorrem nos Sisu por modelos distintos: um por ampla concorrência e outro por cotas. Mas pode haver uma discrepância maior nas notas. Hoje já é latente essa discrepância, esse desnível logo na entrada. E a gente pode ter logo na entrada notas muito mais abaixo do usual. Aparentemente isso pode ser uma coisa simples, mas há, portanto, um fortalecimento da desigualdade social no brasil.

Doc.Edu: Qual o papel das secretarias de educação nesse momento?

Prof. Ademar: As secretarias de educação nesse momento têm um papel de sugerir um adiamento ou a revisão dessa nota de forma que se tenha o menor impacto. Porém, as secretarias têm outra função:

uma vez continuando o Enem, que se garanta uma preparação remota para esses alunos e um reforço maior, ao menos de carga horária, quando essas aulas voltarem. Essas são maneiras de minimizar esses impactos.

A discussão corre em Brasília

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Post do deputado federal Ildivan Alencar informando sobre sua ação em prol do adiamento. Foto: Twitter.

Dadas as circunstâncias, diversos políticos começaram um movimento para barrar o edital do Enem em meio à pandemia

  • 31 de março:
    O Ministério da Educação divulga o edital do Exame Nacional do Ensino Médio de 2020 com datas de aplicação das provas impressa e digital para final de outubro e começo de novembro.
  • 1ª de abril
    O deputado federal cearense Ildivan Alencar (PDT) solicita ao Supremo Tribunal Federal (STF) a mudança do calendário para requisição de isenção, mas tem seu pedido negado.
    A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) apresenta Projeto de Lei (PL) que propõe a manutenção do Enem, mas considera prorrogar todos os prazos em caso de reconhecimento de calamidade pelo Congresso Nacional.
  • 6 de abril
    O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) apresenta um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para suspender ao edital do Exame Nacional do Ensino Médio. O texto diz: “o INEP e o MEC se mostram alheios às consequências sociais das medidas de distanciamento social em vigor, deixando de levar em consideração a realidade vivenciada pelos candidatos que constituem o público alvo do Exame.
    Sua posição já foi defendida inclusive pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (Dem-AP), que declarou seu apoio para fazer “uma intervenção no Ministério da Educação”.
  • 7 de abril
    Em nova estratégia, o deputado Ildivan Alencar entra com uma ação popular contra o Ministério da Educação para adiar o Enem em meio à pandemia.

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Eduardo Siqueira

Um jornalista que ama Educação. Minhas experiências me fizeram imergir no universo da Educação, sentindo todo o seu poder transformador e percebendo o quanto ela ainda precisa de apoio. Aqui, busco fazer minha parte e ajudar as pessoas a compreendê-la nem que seja um cadinho.

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