"Trama do olhar", de Hélio Rôla: imagem a partir de um crochet de Efimia Rôla (clique para ampliar))

Meu artigo semanal, publicado na edição de hoje (23/12/2010) do O POVO:

Deputados devem ganhar bem, mas aumento foi abusivo
Plínio Bortolotti

Diferentemente de muitos, defendo que os parlamentares tenham um salário decente, com o qual possam sobreviver sem sobressaltos e executar suas funções adequadamente. Não fosse assim, somente os abonados poderiam se dedicar à política, algo que seria negativo para a democracia.

Evito também entrar no jogo de depreciar genericamente os políticos, como se eles fossem responsáveis por todos os males do Brasil. Creio mesmo que existe cobertura desproporcional da imprensa comparando-se, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Muito se fala, por exemplo, nas férias generosas dos parlamentares – e muito menos se diz de algo equivalente favorecendo juízes e a burocracia dos tribunais.

Agora, convenhamos, o atual salário de R$ 16.500,00 dos deputados federais já é mais do que razoável para manter – e bem – um parlamentar. Afinal, eles estão no Congresso para servir e para não para se servirem de benesses. Leve-se ainda em conta que o salário representa apenas 27% do que um deputado recebe ao longo do ano para manter o seu mandato. (Veja abaixo estudo completo da Transparência Brasil sobre o assunto.)

A autoconcessão do reajuste de 61,8% (para a inflação acumulada de 17,8% nos últimos três anos) pode soar como escárnio. Os R$ 26.723,00 que os congressistas vão ganhar equivalem a quase 50 salários mínimos, quando este subir para R$ 540,00. Deve ser uma das diferenças mais altas do mundo, se não for a maior.

Sem falar no “efeito cascata”. Pois quando se reajusta o salário dos deputados federais, os estaduais e vereadores correm para aumentar os seus.

Por isso, louvem-se os que resistiram ao aumento ou defenderam que recuperasse apenas a inflação dos últimos três anos. Esses congressistas mostram que generalizações são injustas. Muitas vezes, propositais, partindo dos que gostam de desprezar a democracia, como se esta fosse a causa do mal, e não o remédio com o qual se pode curá-lo.

Veja estudo da Transparência Brasil mostrando que o salário é apenas uma parcela da remuneração dos congressistas.

Salário representa pequena parcela da remuneração anual de congressistas

[Texto e gráficos da Transparência Brasil]

No debate acerca do recente aumento salarial aprovado pelos deputados federais e senadores para a próxima legislatura, esquece-se que a remuneração dos congressistas não é composta apenas do salário. Ele representará, em 2011, apenas 27% do total a ser recebido por um deputado federal ao longo de um ano, e 17% do que será recebido pelos senadores.

O restante do que é pago aos parlamentares vem em forma de benefícios – cuja aplicação é mais difícil de monitorar, tendo em vista os problemas em relação à transparência dos gastos. Exemplo disso é a contratação de consultorias pelos parlamentares: não há publicidade sobre o trabalho desenvolvido pelos consultores.
Não são raros, ainda, os casos de desvios ou má aplicação das verbas extras. Em passado não muito distante, registrou-se a chamada “farra das passagens aéreas”, em que deputados federais foram acusados de usar passagens para viagens de lazer ao exterior, acompanhados de suas famílias.

Na Câmara, os parlamentares têm direito a três benefícios além dos salários: Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), auxílio-moradia e verba de gabinete.

A CEAP varia de acordo com a distância do estado de origem em relação a Brasília. Assim, um deputado do Distrito Federal tem direito ao menor montante (R$ 23.033), e um de Roraima, ao maior (R$ 34.259). A tabela completa com a CEAP para cada estado por ser vista aqui. Para fins de referência, foi usada a Cota de um parlamentar do DF:

No Senado, os benefícios concedidos são sete: verba de gabinete, verba “indenizatória”, auxílio-moradia, cotas para impressão, para telefone, postal e para passagem aérea.

A cota postal é determinada de acordo com a população do estado de origem do parlamentar. A menor, desse modo, é a dos senadores do Amapá: R$ 4.000 por mês – este foi o montante usado como base para o cálculo apresentado.
Em relação às passagens aéreas, o limite é de 60 passagens por ano para o trecho Brasília – capital do estado – Brasília. Tendo isso em vista, o cálculo foi baseado no custo de uma passagem da Gol Linhas Aéreas para Goiânia, a capital mais próxima de Brasília, com saídas em 11 de fevereiro de 2011 (Brasília) e 14 de fevereiro de 2011 (Goiânia): R$ 178.