Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 23/8/2015 do O POVO.

Escravos de uma fatura impagável
Plínio Bortolotti

No artigo da semana passada, “A concentração de renda e o descaminho do PT”, comentei que a mudança no Imposto de Renda foi uma das reformas que o Partido dos Trabalhadores ficou devendo ao seu distinto público. O leitor Haroldo Barbosa me alertou, via Twitter, que além da concentração de renda, havia o “esquema da dívida pública”. Verdade.

A dívida tem origem quando um governo, para ampliar a sua receita, lança títulos públicos, sob a promessa de resgatá-los, com juros, de quem adquiri-los, predominantemente grandes bancos. Seria uma prática normal se o negócio não chegasse ao ponto de o “credor” transformar governos em escravos de uma dívida impagável.

Ex-auditora da Receita Federal, Maria Lucia Fattorelli, fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, diz que existe um “sistema da dívida”. “O que deveria ser para complementar os recursos em benefício de todos, (é utilizado) como o veículo para desviar recursos públicos em direção ao sistema financeiro”. Fattorelli diz que o “esquema” se repete qualquer lugar do mundo. Ela sabe o que diz, pois auditou a dívida da Grécia.

Para pagar essa dívida o governo precisa fazer com que suas despesas sejam menores do que a receita. E faz isso apelando para a “disciplina fiscal”, de modo a economizar para conseguir o “superávit primário”.

Portanto, quando você ouvir locutores de televisão afirmando ser necessário “disciplina fiscal” para criar o “superávit primário”, leia o seguinte: serão cortados recursos da saúde, da educação, da segurança, da infraestrutura – e benefícios sociais serão reduzidos, de modo a sobrar dinheiro para entregá-lo aos especuladores. Assim, os donos dos títulos da “dívida pública” acabam sendo os senhores do destino dos países.

Esses comentaristas, junto com os colunistas “de grife”, nunca vão contar a história toda: é de propósito para você não entender o malfeito. Usarão os termos cabalísticos, anotados acima entre aspas, e mais do dicionário do economês, para fazê-lo pensar que o assunto é somente para “especialistas”, que podem dar lições e aviar receitas. A você cabe aceitar que lhe metam a mão no bolso; que castiguem os mais pobres; e joguem o país na recessão, desde que os rentistas sejam pagos.

Para Fattorelli, do valor exorbitante que o governo paga aos credores, muito pouco se enquadra na “definição de dívida”, pois não se encontra o que a originou. Ela dá como exemplo a dívida do Equador, auditada por ela, da qual foram eliminados 70% da dívida em títulos, ou seja, o país pagava uma conta fictícia.

Segundo a auditora, “a dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado”. Diz ainda que não faz mais sentido falar em “dívida interna” e “dívida externa”, já que os grandes bancos não têm pátria.

Outro alerta de Fattorelli é que o Brasil vem emitindo títulos para pagar juros, que ela diz ser inconstitucional. Por isso, a dívida se tornou uma “bola de neve em escala exponencial, sem contrapartida” – da qual o país nunca se livrará.

Ou seja, é dinheiro jogado fora, ou melhor, injetado na cornucópia dos super-ricos: o 1% da população mundial que está dançando no convés do Titanic.

Empresários
Essa política prejudica também aqueles que produzem, os empresários. Em artigo para a Folha de S. Paulo (11/8/2015) Benjamin Steinbruch, presidente da CSN, chamou de “aberrações” a alta taxa de juros e o fato de o Brasil, em três anos, ter de pagar R$ 1,038 trilhão de juros da dívida.

Leilões
Nos leilões da dívida pública – a forma como o governo vende os títulos – só podem participar poucas instituições credenciadas: grandes bancos, como Citibank, Safra, Santander, Itaú e HSBC. Porém, alegando sigilo bancário, o governo se recusa a informar quem exatamente são os detentores da dívida brasileira.

Créditos
Consultei para escrever o artigo a entrevista de Maria Lucia Fattorelli à Carta Capital. Para o leitor Haroldo Barbosa, assessor do Sindfort (sindicato dos servidores municipais), a prefeitura de Fortaleza também caminha para o “endividamento indiscriminado”.

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