Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, O POVO, edição de 25/1/2018.

A volúvel “voz das ruas”

Em março de 2016, ao emitir nota agradecendo o “apoio” recebido durante manifestação contra a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT – na qual Sergio Moro foi tratado como herói -, o juiz escreveu o seguinte: “Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção…”. O magistrado tomou o cuidado de acrescentar “eleitas” depois de “autoridades”, evitando confundir a um chamado à Justiça a também agir assim.

Em março de 2017, ainda no contexto da Lava Jato, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, discursou no plenário, dizendo o seguinte: “O clamor por Justiça que hoje se ouve em todos os cantos do país não será ignorado em qualquer decisão desta casa”. Ela cuidou de pospor o vocábulo “justiça” depois de “clamor” para não deixá-lo solteiro, supondo apelo direto à “voz das ruas”.

Certo, pois a Justiça serve, justamente, para contrariar a voz das ruas, nos afastando da barbárie.

Mas, na verdade, esse suposto zelo em deixar clara a linguagem trai a verdadeira intenção do emissor. Assim, o texto autoriza a ser lido com a exclusão dos termos “eleitas” (no caso de Moro) e “justiça” (no discurso de Cármen Lúcia).

A situação de Moro é mais complexa, pois ele misturou o papel de juiz e de líder político. Em palestra realizada em março de 2016 ele pediu a mobilização da “sociedade civil organizada” para ajudar no combate à corrupção. Outros exemplos de sua atuação política poderiam ser dados, mas fiquemos por aqui. O importante é que o processo contra Lula tornou-se irremediavelmente político.

Alguns responsabilizam o PT pelo fato de a ação ter tomado esse rumo. Por óbvio, o partido usou essas armas no combate. Porém, isso é próprio das organizações políticas, mas deveria ficar longe Judiciário, sob pena de contaminar o seu julgamento.

Por isso, a condenação de Lula era esperada, agravando a sentença de primeira instância. Se ele fosse absolvido, seria contrariado o “clamor popular”, que Moro e o Ministério Público em Curitiba açularam com a capa vermelha da “corrupção”.

O problema é que a “voz das ruas” costuma ser volúvel.

Tagged in: