É sempre com expectativa que aguardo a tradução de um novo livro de Elisabeth Roudinesco. Dessa vez não foi diferente. Há duas semanas iniciava, emocionado, a leitura de “Sigmund Freud em sua época e em nosso tempo”, biografia de Freud escrita pela historiadora e psicanalista francesa.

Logo nas primeiras páginas Elisabeth Roudinesco traça um retrato preciso do biografado: “Este livro, portanto, dividido em quatro partes, narra a vida de um homem ambicioso, oriundo de uma antiga linhagem de negociantes da Galícia oriental, que se dá ao luxo, ao longo de uma época turbulenta – esfacelamento dos impérios centrais, Primeira Guerra Mundial, crise econômica, triunfo do nazismo -, de ser ao mesmo tempo um conservador esclarecido que busca libertar o sexo para melhor controlá-lo, um decifrador de enigmas, um observador atento da espécie animal, um amigo das mulheres, um estoico fanático por antiguidades, um ‘desilusionista’ do imaginário, um herdeiro do romantismo alemão, um dinamitador das certezas da consciência, mas, também e acima de tudo talvez, um judeu vienense, desconstrutor do judaísmo e das identidades comunitárias, aferrado tanto à tradição dos trágicos gregos (Édipo) como à herança do teatro shakespeariano (Hamlet)” (p. 11).

Desde Ernest Jones, autor de uma das mais importantes biografias do criador da psicanálise, Sigmund Freud sobressai como um dos homens que mais teve a vida escarafunchada. No afã de desvendar-lhe a intimidade, alinham-se turiferários e detratores. A par disso, destacam-se, também, respeitáveis estudiosos da vida e obra freudianas.

Embora a muitos parecesse que não restava mais nada a dizer sobre Freud, o livro de Elisabeth Roudinesco veio desmentir a suposição. Parte considerável dos arquivos Freud, preservados no departamento de manuscritos da Biblioteca do Congresso de Washington, apenas recentemente se tornaram acessíveis. Foi essa uma das fontes de que se valeu a autora para escrever sua biografia, e isso já constitui um diferencial importante em relação às anteriores. Dentre as informações valiosas do livro vale destacar a lista dos pacientes de Freud.

O melhor de tudo, entretanto, está no enfoque dado pela autora ao biografado. Das páginas de “Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo” emerge um homem profundamente humano, com tudo o que isso comporta de contradições e fragilidades, mas, nem por isso, menos apaixonante.

Para quem vasculhou dimensões tão profundas e obscuras, entretanto, não poderia ser diferente, como assevera Roudinesco: “Nunca é demais dizer como Freud, homem do Iluminismo e decifrador dos verdadeiros enigmas da psique humana, em contraponto a seu amor à ciência, não cansou de desafiar simultaneamente as forças obscuras próprias da humanidade para jogar luzes sobre sua pujança subterrânea, correndo o risco de nela se perder” (p. 330).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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