Primeiro, a trilogia de Sam Raimi, com Tobey Maguire interpretando o combo Peter Parker/Homem-Aranha entre 2002 e 2007. Depois, em 2012 e 2014, Marc Webb dirigiu Andrew Garfield em um reboot da história do “amigão da vizinhança”. Agora, três anos depois, Jon Watts dirige Tom Holland na terceira encarnação do herói mais popular da Marvel em 15 anos. Com o cuidado de fugir da repetição na história de origem e uma aproximação maior com o lado “adolescente nerd” de Peter Parker, “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” consegue se manter novo e original e expõe, junto aos filmes anteriores, a complexidade do mais humano dos super-heróis.

Tom Holland funciona como Peter Parker e como Homem-Aranha

O “cabeça de teia” é um herói diferente. Mais vulnerável na vida privada, mais azarado em lutas abertas e com uma longa lista de vilões que ultrapassam o limiar entre Homem-Aranha e Peter Parker. Se antes dele os super-heróis eram reflexo de figuras divinas, inatingíveis, no caso do “amigão da vizinhança” há algo que ressoa no intimo do próprio público. Até por isso, é curioso que Tom Holland, de 21 anos e com cara de 14, seja o primeiro Homem-Aranha que soe, de fato, adolescente.

A partir dessa abordagem, Watts trabalha o filme como uma espécie de filme de despertar da maturidade. Tutoreado por Tony Stark/Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), ele é um super-herói em treinamento e que sonha em lutar ao lado do ídolo/mentor. O playboy milionário de moral questionável aparece, desta vez, como um substituto mais divertido, jovem e ambivalente da figura do tio Ben, já desgastada após dois filmes de origem do Homem-Aranha. Watts opta por não se estender em introduções, já que, bom, praticamente todas as pessoas do mundo sabem quem é aquele herói aracnídeo.

A inteligência do roteiro reside no fato de o filme se debruçar sobre as consequências de cada ato de Peter. É, de certa forma, como a maturidade funciona, trazendo reflexão e efeitos colaterais. As presenças de Stark e Happy Hogan (Jon Favreau) ampliam essa sensação ao evocar a jornada do Homem de Ferro, que, junto ao seu supertime de heróis, teve de lidar com as consequências das lutas de proporções imensas em “Os Vingadores” (2012) e “Vingadores: Era de Ultron” (2015).

Tony Stark (Robert Downey Jr.) é um alívio cômico eficiente

Holland é carisma puro no papel central. Ele consegue trazer o lado nerd de Tobey Maguire, com o viés divertido de Andrew Garfield. O elenco de apoio ajuda bastante. Michael Keaton faz de Adrian Toomes um vilão multifacetado. Há um discurso honroso por traz da falta de escrúpulos. Ned (Jacob Batalon), Liz (Laura Harrier) e, em especial, Michelle (Zendaya) formam uma entourage diversa e diferente. Como são novos personagens, não sabemos exatamente o que esperar dele.

A diversidade do elenco também chama a atenção. Batalon é havaiano, com traços maori, Zendaya e Harrier são negras e Tony Revolori, o novo Flash Thompson, é latino. A professora de Peter é negra, o diretor da escola asiático. É interessante, mas soa forçado diante do fato de que o protagonista, o antagonista e o terceiro personagem mais importante da trama são homens heterossexuais brancos. Parece uma resposta à preferência de escalar outro Peter Parker em vez de levar o Homem-Aranha latino e negro Miles Morales para as telonas. Outro pequeno porém é na direção de ação, que soa repetida. Algo natural quanto um longa sucede outras cinco obras com o mesmo protagonista.

Zendaya (à esquerda) é a grande surpresa do filme

O grande acerto do filme, no entanto, é no tom. Sem impor dramaticidade excessiva e forçando pouco na comicidade, “De Volta ao Lar” conquista um bom equilíbrio. O roteiro bem podado consegue equilibrar as novidades com uma série de referências aos quadrinhos do Homem-Aranha, tanto as do tradicional quanto às do chamado universo Ultimate. Sem medo de quebrar a fidelidade à fonte original, o filme ainda cria aquele que talvez seja o maior plot twist (virada da trama) entre as obras de super-heróis nos cinemas.

“De Volta ao Lar” surge com muitas potencialidades. É a inclusão do “amigão da vizinhança” em um contexto maior, em uma Nova York cheia de deuses e monstros. Se as sequências conseguirem manter o equilíbrio entre o adolescente e o super-humano, este pode ser o início da jornada longa e bem planejada que o Homem-Aranha sempre mereceu. A chave é conseguir surpreender, manter sempre o cheirinho de novo.

P.S. O filme possui duas cenas pós-créditos, com uma ótima surgindo só ao final de toooodas as letrinhas. Você não perde por esperar.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica
Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, EUA, 2017), de Jon Watts. Aventura. 12 anos. 133 minutos

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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